IAA Frankfurt 2019
Quem circular ao longo dos 12 pavilhões da Messe onde esta semana acontece o Salão de Frankfurt, na Alemanha, sairá da exposição com a nítida impressão que o mundo da mobilidade individual, representado pelo automóvel, mudou para outro planeta – e ele é completamente eletrificado. Ao menos foi essa a imagem que dezenas de expositores do IAA 2019, fabricantes de veículos e sistemas automotivos, quiseram passar aos jornalistas que foram conhecer as novidades nos dois dias do evento dedicados à imprensa, antes da abertura oficial ao público. O que se viu este ano foi um genuíno salão de carros elétricos e híbrido. Em alguns momentos, as apresentações fizeram parecer até que os motores a combustão acabaram, em um universo paralelo que bem ao lado de fora da feira contrasta com a realidade de ruas cheias de motores queimando gasolina e diesel.
Olhando para o futuro próximo que o IAA deixa antever, o que era apenas uma abstração tecnológica há menos de 10 anos virou lugar-comum. A indústria automotiva alemã – e as estrangeiras que operam no país – lançaram mais de uma centena de automóveis elétricos e híbridos. São tantos que, em alguns estandes, a propulsão elétrica passou de coadjuvante a ser protagonista. Por falta de espaço para mostrar tantas ofertas de eletrificação, nos dias de imprensa alguns fabricantes deixaram do lado de fora dos pavilhões os veículos equipados unicamente com motor a combustão.
Por traz da aparente limpeza da pegada de carbono dos automóveis produzidos na Europa está a dura legislação da União Europeia (UE). Em 2015 a obrigação dos fabricantes era que a média de emissões dos veículos vendidos fosse de no máximo 130 gramas de CO2 por quilômetro rodado. O Parlamento Europeu reduziu em 25% o limite para 95 g/CO2/km a partir de 2020 e este ano já estipulou um novo e ambicioso corte de 37,5% até 2030. Na prática, quem não eletrificar a frota não alcançará essas metas e poderá pagar pesadas multas por grama de CO2 excedente para cada carro vendido.
“Será necessária uma rápida penetração de veículos elétricos no mercado para alcançar objetivos ambiciosos de redução de emissões da UE. Para reduzir em 37,5% do nível atual, somente na Alemanha de teremos de colocar nas ruas de 7 a 10,5 milhões carros elétricos até 2030”, calcula Bernhard Mattes, presidente da VDA, Associação Alemã da Indústria Automotiva. |
Tudo isso vai custar muito dinheiro: “Nos próximos três anos fabricantes de veículos e seus fornecedores vão investir € 40 bilhões em mobilidade elétrica, para ter uma oferta de 150 modelos eletrificados até 2023”, acrescenta Mattes.
O FUTURO ELÉTRICO NO IAA 2019 |
Todo esse movimento, de cumprir a legislação sem perder clientes, está estampado nos estandes do IAA 2019, que apontam claramente para o futuro elétrico desde já, com a promessa de mais de uma centena de lançamentos agora e nos próximos anos, mesmo que ainda faltem respostas para todas as questões. Os compradores de veículos têm ainda muita insegurança quanto aos veículos elétricos, não enxergam nas ruas uma grande rede de recarregamento de baterias e temem quanto à vida útil de um bem caro.
“A infraestrutura precisa ser ampliada de maneira sustentável. A Alemanha tem 20.650 pontos de recarga e isso não é suficiente. Até 2030 [para sustentar o volume de carros elétricos previstos na frota] precisamos de 1 milhão de pontos públicos e outro milhão de privados, além de 100 mil estações adicionais de recarga rápida”, afirma o presidente da VDA.
O hatch ID.3 no Salão de Frankfurt: Volkswagen quer que ele seja o “carro elétrico do povo” (Fotos: Pedro Kutney)
Com ou sem infraestrutura, o fato é que os fabricantes estão cumprindo a promessa de ser cada vez mais elétricos. No IAA, a Volkswagen (maior fabricante europeu) montou um estande completamente tomado de opções eletrificadas, desde modelos já conhecidos de sua linha, como a versão elétrica e-Up!, até o hatch médio ID.3, o primeiro lançamento comercial de sua plataforma modular puramente elétrica MEB – uma estratégia lançada há apenas quatro anos como antídoto do escândalo da fraude de emissões de motores diesel do grupo.
Embora tenha dimensões externas comparáveis a de um Golf, a Volkswagen quer que o ID.3 seja “o veículo elétrico do povo”, remontando às origens de seu próprio nome (carro do povo em alemão) surgido nos anos 1930, quando abriu o caminho da motorização para milhões de pessoas no mundo com o Fusca. O ID.3 começa a ser vendido na Alemanha por € 24 mil com incentivos do governo (o preço sem eles é de € 30 mil) com banco de baterias que garante autonomia de até 420 km, mas já está previsto o lançamento de versões acima e abaixo, para rodar até 330 km ou 550 km antes de precisar de recarga.
Em sua guinada elétrica, a Volkswagen não quer nada menos do que ser a maior vendedora de veículos elétricos do mundo, com o lançamento de 20 modelos até 2028 e a ambição de colocar 50 milhões de unidades para rodar em todo o mundo. Parte significativa deles será construída sobre a futurista plataforma MEB, da qual depois do ID.3 ainda vão nascer um SUV, sedã e até o sucessor da Kombi, o simpático ID.Buzz, todos presentes no salão ainda como protótipos.
SOFISTICAÇÃO ELETRIFICADA |
Ola Källenius apresenta o conceito Mercedes-Benz Vision EQS: a sofisticação da eletrificação
Ao menos pelo que se vê neste IAA, a eletrificação veicular envolve bem mais do que modelos populares e compartilhados. Muito pelo contrário, fabricantes de marcas premium apostam que carros elétricos e híbridos altamente sofisticados, tanto do ponto de vista tecnológico como do luxo oferecido, e farão grande diferença para continuar a alimentar e estimular o desejo pela mobilidade individual.
Ola Källenius, o recém-empoderado presidente do conselho do Grupo Daimler e chefe da Mercedes-Benz Cars, durante sua suntuosa apresentação no salão de Frankfurt reconheceu que “a eletrificação é o ponto central do IAA 2019”, ao mesmo tempo em que figuravam atrás de si no palco nada menos que 19 opções inéditas de carros elétricos e híbridos plug-in da marca. Todos são parte da estratégia de até 2030 eletrificar metade do portfólio de produtos, primeira etapa da ambição de até 2039 oferecer uma frota de modelos 100% neutra em emissões de CO2. Também está nos planos até 2022 criar fontes de recarga neutras na Alemanha e produzir na Europa sem emitir gases de efeito estufa. Tudo isso sem abrir mão do luxo de um Mercedes-Benz.
“Estamos convencidos de que a necessidade de mobilidade individual vai continuar a crescer no mundo. Aliado a isso, especialmente para a Mercedes-Benz, vemos uma segunda tendência global: a demanda por algo especial, por produtos e experiências extraordinárias. Nosso trabalho agora é redefinir o ‘luxo moderno’, que precisa ser desejável, contemporâneo e sustentável”, afirma Ola Källenius. |
Traduzindo em ações, a Mercedes lançou no IAA versões híbridas plug-in de quase todo seu portfólio. Modelos Classe E, C, B, A, GLC e GLE ganharam baterias e motor elétrico capazes de sustentar a tração 100% elétrica por até 70 km, o suficiente para o uso diário da maioria das pessoas que trafega nas cidades. O carro pode ser recarregado à noite na tomada ou pelo motor a combustão, que trabalha em conjunto na estrada. De quebra, a Mercedes transformou toda a sua linha de minicarros Smart em veículos 100% elétricos.
Também foram apresentados os elétricos EQC, baseado no SUV GLC, e o EQV, uma van Vito alimentada por baterias. Até 2021 estão a caminho 10 modelos baseados na plataforma elétrica EQ da Mercedes-Benz. A marca adiantou uma visão do que será a nova linha com a apresentação pela primeira vez do carro-conceito Vision EQS, um cupê de quatro portas que mostra que o futuro elétrico pode ser desenhado com belos traços.
BMW Concept4 e Porsche Taycan: elétricos do conceito à realidade em pouco tempo (Fotos: Pedro Kutney)
A concorrente BMW foi pela mesma linha, destacando para si a liderança em vendas de veículos eletrificados na Europa. “Estamos à frente, lançamos a linha de elétricos i em 2014 e estamos na quinta geração de híbridos. Até 2023 teremos 23 modelos eletrificados no portfólio e estamos trabalhando fortemente nas células de combustível com o iHydrogen Next. Teremos uma frota em testes em 2022”, enumera Oliver Zimpse, CEO do Grupo BMW.
A BMW também deu tom futurista ao seu projeto de eletrificação com a apresentação do Concept 4, um cupê esportivo elétrico que deverá se tornar realidade como i4 em 2021, juntando-se ao portfólio “i” que já conta com o compacto i3 e o híbrido i8. O carro-conceito traz consigo uma renovada identidade visual, que deverá se espalhar por outros carros da marca.
Os conceitos elétricos e inteligentes da Audi: AI:Com, AI:Me, AI:Trail e AI:Race (no sentido horário) (Fotos: Pedro Kutney)
Outro símbolo do luxo veicular alemão, a Audi promete ter 30 carros eletrificados até 2025, sendo 20 deles 100% elétricos. “O futuro é elétrico”, resumiu o CEO Bram Schot. Nesse sentido, a marca premium do Grupo VW apresentou quatro abstrações tecnológicas movidas unicamente por baterias e com avançados sistemas de condução autônoma e inteligência artificial: uma espécie de cupê AI:Com, o compacto urbano AI:Me, o 4×4 offroad AI:Trail e o superesportivo AI:Race.
No mesmo pavilhão ocupado por todas as marcas do Grupo VW, até a Porsche, que já tinha lançado híbridos, agora se rendeu à propulsão puramente elétrica com o recém-lançado Taycan, um cupê de quatro portas que quer concorrer com a Tesla, primeira marca a explorar o luxo e esportividade da eletricidade.
Estrangeiros eletrificados em Frankfurt: Ford e Hyundai levaram grande número de elétricos ao IAA
Marcas estrangeiras também fazem seus lançamentos elétricos em Frankfurt. A japonesa Honda levou à Alemanha a versão de produção do minicarro Honda-e. A coreana Hyundai eletrificou vários de seus carros vendidos no mercado europeu e apresentou co conceito elétrico 45. A base europeia da americana Ford nem convocou entrevista coletiva para apresentar seus modelos, mas trouxe ao IAA a maior linha de veículos eletrificados já lançada pela marca na Europa. As novidades incluem o híbrido Puma EcoBoost, os híbridos plug-in Explorer e Tourneo Custom e o Kuga, primeiro modelo da Ford a oferecer as opções de mild-hybrid 48V, total e plug-in.
O passado também apareceu no IAA 2019, com uma Kombi estilizada para transportar jornalistas
A eletrificação do IAA também tomou conta da frota de carros colocada à disposição dos jornalistas para o transporte entre os distantes pavilhões da Messe. Modelos elétricos – inclusive alimentados por células de hidrogênio – de meia dúzia de marcas como Hyundai, BMW, Mini e Mercedes-Benz faziam o trajeto circular. Mas nenhum deles chamou tanta atenção quanto uma restaurada VW Kombi dos anos 1970, com pintura estilizada e duas pranchas de surf no bagageiro do teto, roncando com seu característico motor refrigerado a ar, como que para lembrar que o mundo automotivo já foi bem diferente, mas continua a fascinar as pessoas.