Chile lidera eletromobilidade
No último sábado, 26 de janeiro, Santiago, a capital do Chile, recebeu a terceira etapa da temporada 2018-2019 da Fórmula E, competição automobilística organizada pela FIA com carros movidos exclusivamente a energia elétrica e cuja primeira temporada se deu em 2014. Conhecida por ser realizada em circuitos de rua, a corrida deu notoriedade à cidade por ser a única da América do Sul a sediar uma de um total de treze etapas que começaram em dezembro de 2018 e vão até julho em locais selecionados nos cinco continentes. A competição vem ganhando cada vez mais adeptos e fãs – as arenas estavam lotadas, mesmo com uma sensação térmica próxima dos 40⁰ – mas também o evento contribui para a disseminação massiva dos conceitos de eletromobilidade para a população.
“A Fórmula E é uma plataforma de desenvolvimento para a eletromobilidade. É um ambiente perfeito para isso”, afirma o presidente da ABB Américas, Greg Sheu. A empresa, com sede em Zurique, Suíça, é a principal patrocinadora da competição e aproveita o evento para apresentar ao público todo o seu portfólio, que abrange soluções de automação para a indústria, concessionárias, transporte e infraestrutura, tais como carregadores para carros elétricos, robôs, produtos e sistemas de gestão digital em empresas e residenciais, entre outros.
Sustentabilidade e a eletromobilidade
Para o executivo, é fato a megatendência tendência global de avanço da sustentabilidade e a eletromobilidade é uma ferramenta fundamental para reduzir de forma gradativa, mas contundente, as emissões de gases poluentes. Neste sentido, há exemplos de cidades, como Paris e Xangai, que incentivam proprietários de carros elétricos com isenção de impostos ou redução deles, por exemplo. “A China se mostra como o como grande impulsionador do mercado elétrico global, com a massificação de carros 100% elétricos. Há grandes oportunidades em diversas áreas e países, como o próprio Chile, onde estamos crescendo com nossos carregadores e agora com os de de nível quatro – ultrarrápido – para automóveis. Também aqui ainda vemos possibilidade de no futuro atuar também com carregadores para ônibus elétricos, como os que já fornecemos na Suíça”, afirma Sheu.
Sobre o Brasil, onde a ABB já atua em grande parte com seu portfólio de automação e indústria 4.0, inclusive para o setor automotivo, ele diz que há grandes oportunidades na introdução de novas tecnologias. “É um processo e isso inclui adaptações dos sistemas, além do que é necessário parcerias público-provadas para a continuidade do avanço.”
No Chile as coisas são mais rápidas
No Chile, as coisas acontecem de forma mais acelerada. O brasileiro e presidente da ABB no país, Marcelo Schumaker, comemora a ampliação da rede de recarga rápida de carros elétricos do país com tecnologia fornecida pela ABB e anunciada pela Copec, tradicional rede chilena de postos de combustível. São vinte novos eletropostos que se unem aos três já existentes e que estão sendo instalados em uma extensão de 700 quilômetros. Eles cobrem duas regiões do país. “Esse é o primeiro passo, a Copec já planeja estender ainda mais a rede para 1 mil quilômetros”, afirma Schumaker.
Entre os novos eletropostos, dezenove são do tipo de recarga rápida, que recompõe a bateria do carro em 20 minutos (54 kW) e que suporta uma grande variedade de veículos elétricos com diferentes sistemas de entrada; há também uma unidade com recarga ultrarrápida, de oito minutos para uma carga completa (175 kW) e indicada para veículos elétricos mais modernos – a primeira do tipo no mercado sul-americano. A Copec também está expandindo a rede não só nas estradas, mas em locais públicos com outros tipos de carregadores em parques e estacionamentos.
“Estamos estendendo nossa rede com vinte novas estações de recarga adicionais às três já existentes. Começamos em 2012, com três carregadores sem cobrança pelo uso, que foi um período de aprendizagem. Atualmente, o Chile possui uma frota de 400 a 500 veículos elétricos, mas não estamos nos concentrando só na frota atual, estamos pensando mais adiante, com estimativa de que ela cresça em torno de 20% a 25% por ano nos próximos anos”, estima o diretor da área de New Mobility da Copec, Francisco Larrondo.
Fórmula é como laboratório elétrico
Assim como a Fórmula 1 foi laboratório para a indústria automotiva, as montadoras, equipes, parceiros e fornecedores se desdobram para fazer dos carros elétricos de competição a máquina perfeita para os quesitos da Fórmula E. Para o piloto brasileiro Lucas Di Grassi, da equipe Audi Sport ABT Schaeffler, houve uma evolução importante nos veículos, mas para ele a etapa de Santiago traz um desafio ainda maior por conta da alta temperatura.
“É a segunda vez que a corrida acontece em Santiago. Para ajudar no desenvolvimento, utilizamos muito o simulador da Audi em Ingolstadt [Alemanha], porque aqui o critério temperatura é muito importante: a bateria não pode passar de 72⁰, se não ela perde performance”, conta. “É também um carro novo, com mais potência: faz de zero a 100 km/h em 2,8 segundos. E a bateria dobrou de capacidade: saiu de 300Kg e 26 kW/h para 330 kg, um pouquinho a mais, e com 52 kW/h. Então agora conseguimos fazer a corrida inteira com uma bateria só”, explica Di Grassi poucas horas antes do treino de classificação. Ele lembra que na temporada anterior, era necessário utilizar dois carros e fazer uma parada no pitstop para a troca de carro com bateria carregada.
Carro é muito controlado por computador
“Hoje o carro é muito controlado por computador: freios, cabos de energia; antigamente era tudo feito manualmente, quando o carro começava a ter recuperação traseira, você precisava mudar mecanicamente a distribuição de freio, saber quando tinha que tirar o pé, quando tinha que acelerar. Então tudo ficou mais fácil e o carro ficou mais rápido.”
Di Grassi, que é um defensor e porta-voz da eletromobilidade mundial, concorda que a Fórmula E é essa vitrine para as novas tecnologias. “A tendência é de que haja cada vez mais carros elétricos nas ruas e a Fórmula E é sim um laboratório: é aqui que as montadoras e suas fornecedoras testam os melhores softwares de controle, o melhor magneto e outras possibilidades. O preço ainda é muito desproporcional, mas o custo benefício compensa e fará sentido daqui a alguns anos. Isso vai depender muito de como as cidades se comportarão para adotar essas tecnologias.”
Ele comenta que o Brasil tem grande potencial para uma verdadeira eletromobilidade limpa, porque produz a maior parte de sua energia a partir de fontes sustentáveis e limpas, como hidrelétricas. “Existe a mobilidade elétrica ‘fake’, que é aquela que queima carvão para abastecer o carro movido a bateria. No Brasil isso é uma vantagem, embora, claro, ainda há vários desafios, como a criação de redes e postos de recarga e toda a infraestrutura.”
O piloto fala ainda sobre o desafio global dos custos e preços finais dos veículos elétricos e avalia o Brasil na corrida pela eletromobilidade: “Em termos globais, a massificação dos veículos 100% elétricos vai deixar a tecnologia cada vez mais barata e vai ajudar a democratizar a eletromobilidade. No futuro, essa democratização fará cair em 80% o custo por quilômetro rodado, barateando manutenção e até mesmo o custo do transporte público. O mundo está passando por uma transição muito importante e o Brasil já está ficando para trás. Tem que parar de dar incentivo para carro 1.0 e focar na indústria local para gerar mais empregos e elevar a mobilidade elétrica. Infelizmente, o Rota 2030 determinou que só vai começar a conversar sobre logística envolvendo mobilidade elétrica em 2035. Entendemos que o Brasil está quebrado, mas há planos de levar a Fórmula E para lá: a ideia inicial é fazer sem dinheiro público, tem que ter parcerias, porque há potencial local.”
Fórmula E etapa Santiago: corrida é vitrine de novas tecnologias para carros elétricos