A linha de montagem estava operando normalmente. Durante o processo produtivo, a montagem dos veículos, soldagem, casamento entre motor/câmbio e carroceria, pintura, entre outras operações, pareciam totalmente comuns como deveriam ser. Porém, havia um problema que ninguém estava percebendo. O processo naqueles dias continuou sem interrupções, mas o que não foi visto ali, gerou um recall de veículo mais adiante.
O exemplo acima é um entre tantos que já ocorrem que é difícil listar a quantidade de chamadas de automóveis por causa de defeitos em todo o mundo. Mas acredite, o número é bem elevado, ainda mais se considerarmos a quantidade de automóveis que foram chamados em todo o mundo. Só em 2017 no Brasil, mais de 2 milhões de carros entraram na lista do recall de veículo.
O número parece enorme, mas basta considerarmos que só a fabricante japonesa Takata, que faz sistemas automotivos, com o defeito do airbag que explodia ao ser inflado e gerou dezenas de mortes, acumulou mais de 100 milhões de carros de inúmeras marcas, que tiveram que substituir dos dispositivos e, obviamente, nem todo mundo conseguiu fazer ainda e muitos que fizeram, rodam sem os airbags funcionais por causa da escassez do item que seria o substituto na reparação.
Mas o que é recall de veículo?
A palavra “recall” é inglesa e literalmente significa chamar de volta ou chamamento. É exatamente isso o que acontece, um chamamento para que o produto, no caso o automóvel, volte ao fabricante através de sua rede de assistência para que seja feita nele uma correção (inspeção e/ou substituição de peça), devido a falha no processo de fabricação, seja de que origem for.
Essa é uma tentativa por parte das montadoras de se evitar complicações judiciais mais graves, assumindo assim a responsabilidade por um defeito que ainda poderá ocorrer. Para a empresa, o recall é uma via de mão dupla. De um lado, o do consumidor, ela assume uma postura de empresa séria e que preza pela integridade de seus clientes. Assim, sem custo algum para o proprietário, é realizada a inspeção e/ou correção.
Do outro lado, o do fabricante, o recall protege não só a imagem da empresa, mas também aproxima o cliente do produto de seu fabricante através do relacionamento com a rede autorizada. Esta, por sua vez, logicamente se aproveita da ocasião para oferecer serviços e produtos, incluindo é claro deixar o cliente esperando diante das novidades no show room.
Como pode ocorrer um recall de veículo?
O recall existe porque surgiu um problema no processo de produção do automóvel. Como já citado no exemplo no início deste artigo, houve uma falha no processo que passou despercebida e que só foi descoberta algum tempo depois. O problema pode ter várias origens e as falhas nem sempre são do fabricante do veículo.
Por exemplo, o airbag da citada Takata tinha um projeto defeituoso, mas mesmo assim, por ser mais barato, foi adquirido pelos fabricantes de automóveis. Se sabiam ou não do problema, não vem ao caso, mas o item foi adicionado aos carros e gerou o maior recall da história com prejuízo de bilhões, mais de uma centena de milhão de carros envolvidos e a falência da companhia japonesa.
Mas, também ocorrem pequenos deslizes na hora da montagem de uma peça. O item é fixado de uma forma que mais adiante vai gerar algum tipo de desgaste que acarretará em dano ao componente e eventual risco de acidente. Nesse caso, a culpa vem da instrução errada na montagem e isso também gera um recall. Entretanto, ainda existe outra situação.
Vistoria
Quando um carro fica pronto no final da linha, um técnico experiente faz a vistoria do veículo para a aprovação de qualidade. É ele que libera o carro para ir direto ao teste de rodagem (laboratório e pista), pátio e finalmente o embarque para as concessionárias. O pessoal dessa área pode não ver certos defeitos no produto, como a montagem errada de uma certa peça e isso contribui para um recall.
No Japão, houve um escândalo na inspeção de qualidade de algumas marcas, que simplesmente – por causa da filosofia de trabalho baseada em experiência e tempo de casa na empresa – colocaram inspetores no final da linha sem qualquer treinamento ou formação. Isso gerou um recall de milhares de carros por lá e colocou em risco a credibilidade da indústria automotiva japonesa.
Algumas marcas, diante de problemas que geram um custo muito elevado, fazem o chamado “recall branco”, que é quando apenas a rede autorizada tem conhecimento do defeito e é orientada a fazer a correção (até com substituição do motor) sem custos para o cliente. Porém, somente quando este apresenta o problema ao revendedor. Essa é uma forma de burlar a lei, que determinaria o chamamento de todos os carros que venham a ter o mesmo problema ou que pertençam a um lote defeituoso.
E os meus direitos?
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) defende o cliente em caso de recall através da Lei 8.078/1990. Promulgada em 11 de setembro daquele, quando surgiu o referido código, consta no artigo 10º, parágrafo 1º que “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”.
Nos três anexos seguintes no referido artigo, o CDC diz que o fornecedor (no caso as montadoras) de produto ou serviço, que tiver conhecimento da periculosidade de um defeito descoberto, precisa comunicar o fato às autoridades competentes e ainda ao consumidor, sendo que nesse caso deve faze-lo mediante campanha publicitária para informação do consumidor.
Ainda no artigo, o CDC determina que a veiculação da campanha seja feita por meio de “imprensa, rádio e televisão”, com custos para a empresa. O texto da lei ainda diz: “Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.”
Mas, de acordo com o Procon-SP, desde 2002, foram realizados 977 chamamentos de automóveis no Brasil, mas apenas 48% dos consumidores compareceram aos revendedores para correção. Diante disso, especialistas defendem que as campanhas sejam mais informativas, em especial na TV, alertando e informando melhor o proprietário do veículo.
Além disso, defendem que haja uma comunicação mais direta com o proprietário do veículo na ocasião, já que muitos mudam de nome. Se fala em constar no documento se o veículo fez ou não o recall e até responsabilizar o consumidor em caso de acidente provocado pelo defeito após o chamamento do fabricante. Ainda assim, o recomendável é o comparecimento voluntário para correção do problema.