Rentabilidade guia gestão da chefe mundial da GM

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Bolt

Em princípio, não haveria tempo para uma sessão de fotos. Mas a sorridente Mary Barra, primeira mulher no comando mundial de uma grande montadora, não resiste quando lhe pedem para posar ao lado do Bolt, o carro elétrico que se transformou na menina dos olhos da General Motors. Para o consumidor dos Estados Unidos, onde esse carro é vendido hoje, o Bolt representa o primeiro elétrico da GM com boa autonomia e preço acessível. Mas, ao mesmo tempo, simboliza o perfil de gestão de Barra, que sacrifica a participação da empresa em mercados onde perde dinheiro para apostar nos rentáveis. A estratégia não só garante retorno aos investidores como abre espaço para a companhia destacar-se no novo jogo da indústria dos automóveis, do qual só participa quem estiver disposto a gastar dinheiro em novas tecnologias.

Resultado financeiro do segundo trimestre apontou “break even”

O Bolt foi estrategicamente colocado numa sala do centro tecnológico da GM em São Caetano do Sul (SP). Ali a executiva fez uma pausa na maratona de reuniões na quarta-feira, o único dia que ela passou nessa visita ao Brasil. Na cidade do ABC paulista ela reuniu a equipe de executivos que comandam as operações em todas a América do Sul. A terceira maior montadora do mundo é líder do mercado dessa região, onde o resultado financeiro do segundo trimestre apontou “break even” depois de sucessivos prejuízos, provocados principalmente pela crise brasileira.

América do Sul

“A América do Sul é muito importante para a GM e apostamos na recuperação do potencial de crescimento da região”, disse Barra. A direção mundial da GM acredita que vale a pena esperar a crise brasileira passar e, por isso, mantém investimentos na região. Há poucos dias, a empresa forneceu ao governo brasileiro detalhes da segunda parte do investimento de R$ 13 bilhões em três das suas quatro fábricas no país, para o período de 2014 a 2020. Os recursos visam essencialmente a renovação da linha de produtos .

Esforços na rentabilidade

Não existe, no entanto, a mesma paciência em relação a outras partes do mundo. Desde que assumiu o principal cargo da companhia, em janeiro de 2015, Barra decidiu concentrar esforços na rentabilidade e não perdoar regiões sem perspectivas de reverter prejuízos. Isso vale até para mercados importantes, como a Europa, onde tempos atrás pareceria impossível um grande fabricante de veículos não estar presente. Depois de anos de prejuízos, há seis meses a GM vendeu sua divisão europeia, a Opel, para o grupo francês PSA Peugeot Citroën. Há menos de três meses a empresa anunciou que até o fim do ano sua principal marca, a Chevrolet, deixará de ser vendida também na Índia e África do Sul.

Oportunidades de negócios

“Expandimos as operações onde percebemos oportunidades de negócios e onde há retorno de capital aos acionistas. Esta é a forma como vemos os mercados no mundo; esta é a forma como tomamos decisões”, destacou a americana de 55 anos cuja ligação com a GM começou antes mesmo do seu primeiro trabalho na empresa. Aos 18 anos, Barra ganhou uma bolsa de estudos numa parceria da montadora com a universidade de Kettering, em Michigan. Depois de um estágio na divisão da antiga Pontiac, formou-se em engenharia eletrônica e, depois, fez mestrado em administração em Stanford.

Talvez por essa antiga relação com a empresa Barra não identifica grandes mudanças em sua vida desde que assumiu o comando da GM, depois liderar outras áreas, como vice-presidente de compras e de desenvolvimento de produto. “Estou na empresa desde que era estudante”, disse.

Conquistas da empresa

Mãe de um casal de filhos, a executiva sorri e evoca exclusivamente coisas ligadas ao seu trabalho quando questionada sobre como ser a primeira mulher a ocupar a principal posição de um setor tradicionalmente dominado por homens transformou sua rotina. “Fico entusiasmada pelas conquistas da empresa, como o investimento em avanços da tecnologia, nesse que é o melhor momento da minha carreira.”

O auge da carreira de Barra coincide com um momento histórico na indústria automobilística. Há pouco tempo ela mesma disse que as mudanças pelas quais o setor passará nos próximos cinco anos serão muito mais profundas do que tudo o que aconteceu nessa indústria nos últimos 50 anos. Nessa corrida, todos os fabricantes de veículos sabem que precisam investir pesado para acelerar o desenvolvimento de produtos se não quiserem ser ultrapassados por empresas de tecnologia, como Apple ou Google.

Principal executiva da GM

É também por isso que a principal executiva da GM não quer perder tempo em mercados onde a empresa não consegue lucratividade. Além disso, a necessidade de atender a novos hábitos de transporte empurra as montadoras para serviços que nunca pensaram oferecer, como o compartilhamento de veículos. “Continuaremos a investir na venda de ótimos automóveis, mas também em conectividade, nos carros autônomos e compartilhamento de veículos”, disse.

Vendido nos EUA a US$ 30 mil, incluindo incentivo de US$ 7,5 mil oferecido pelo governo, o Bolt é um hatch de tamanho médio no padrão brasileiro que funciona com baterias e percorre 380 quilômetros com uma carga. Recentemente a GM começou a testar uma versão autônoma desse mesmo modelo. Segundo Barra, o lançamento dos elétricos e autônomos em outros países dependerá da infraestrutura.

Num elegante tailleur preto, colares e maquiagem discreta, Mary Barra apareceu no centro tecnológico sem aparentar cansaço, apesar de ter começado o trabalho às 7h da manhã depois de mais de 10 horas de voo. Mas a agenda ainda não estava concluída. Dali, ela seguiu até um buffet próximo, onde a esperavam funcionários brasileiros. A conversa com os trabalhadores encerrou os compromissos antes de seu regresso a Detroit. (Valor Econômico/Marli Olmos)