Carros autônomos “não deram errado”, mas ficaram em segundo plano

Em debate realizado durante o Automotive Business Experience - #ABX22, especialistas afirmam que automação segue evoluindo, mas "deixou de ocupar manchetes"

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Carros autônomos
Carros autônomos

No início da década passada, uma aura de positividade pairava sobre os carros autônomos. Imaginávamos que, no começo dessa década, teríamos veículos capazes de atuar não somente como unidades de transporte, mas como ferramentas capazes atender às demandas das cidades conectadas. Seus habitáculos atuariam como espaços propícios para o lazer, para o trabalho e para as compras e montadoras já anunciavam a produção de veículos sem volante ou pedais de direção. As altas expectativas, no entanto, não se concretizaram. Teria sido tudo isso então um mero devaneio, uma utopia causada pelo boom da inteligência artificial? Ou o sonho foi apenas postergado?

Na opinião dos especialistas que debateram sobre o tema no Automotive Business Experience – #ABX22, no início de setembro, a segunda opção é a que melhor se aplica. “Alguns agentes da mobilidade tinham uma expectativa de um determinado nível SAE de automação que não aconteceu no prazo esperado por essas entidades”, frisa Michel Braghetto, head of marketing & political consulting da Bosch e líder da mentoria de sistemas autônomos da SAE Brasil.

Vale lembrar que existem cinco níveis distintos de direção autônoma definidos pela SAE International. Eles vão do 0, sem automação alguma, ao 5. Este denota total automação, como a que já vimos representadas incontáveis vezes nos cinemas em filmes de ficção-científica, como Minority Report, de Steven Spielberg.

Braghetto explica que já temos “os níveis iniciais de automação amplamente disponíveis no mercado, em carros que muitos de nós já utilizamos”. Ele cita, por exemplo, tecnologias de assistência ao condutor como a frenagem automática de emergência, “presente em 25% dos carros produzidos no primeiro trimestre”. “O Adas é um sistema precursor de soluções mais elevadas de veículos autônomos”, enfatiza o especialista, citando a sigla para a expressão em inglês que descreve os Sistemas Avançados de Assistência ao Condutor.

Carros autônomos deixaram de ser protagonistas

Para Braghetto, outros fatores foram preponderantes para que a evolução dos veículos autônomos não atingisse o patamar previsto na década passada. Segundo o executivo, o cenário mudou por causa de outras prioridades, outras questões mais emergenciais que surgiram à frente da indústria. A descarbonização, no caso, é uma delas.

“Os autônomos evoluíram bastante. Só não estão na manchete porque existem outras pautas mais prioritárias que precisam ser evidenciadas no momento”, faz coro Camilo Adas, mediador do debate e presidente da SAE Brasil. “Fazer essa progressão do SAE 1 ao SAE 5 depende de muita pesquisa e desenvolvimento, e não adianta ser uma pesquisa genérica”, completa.Jorge Oliveira, CEO da empresa na América Latina

Pesquisa esta que segue a plenos pulmões na academia – mesmo cercada de desafios. André Padilha, mestrando em Ciência da Computação pela Universidade Federal do ABC, toca projeto na área de fusão de sensores para veículos autônomos, mais especificamente máquinas agrícolas. Padilha, inclusive, crê que o agro brasileiro possa ter importância neste processo rumo aos níveis de condução autônoma mais elevados, já que a automação se faz mais presente nessa seara.

No entanto, o mestrando salienta que tem de haver sinergia entre academia e indústria quando o assunto é pesquisa. “Temos um caminho muito longo pela frente. Tem muito trabalho a ser feito”, diz. Padilha fala ainda acerca dos sobressaltos para o desenvolvimento da tecnologia. “A gente passa, claro, pelas questões legais para testar os veículos na rua, ou até mesmo em ambientes fechados. Vemos também uma carência de simulação. Os simuladores não são perfeitos e muitas universidades nem os usam”, comenta.

Veículos autônomos não deram errado

No afã de se encontrar caroços no angu, muita gente pode inferir que a automação dos veículos não foi exitosa. Os especialistas logo refutam tal noção. “[A tecnologia] não só não deu errado, como tem soluções distintas. Temos soluções em robótica, em inteligência artificial, de diferentes empresas com abordagens diferentes”, exalta Padilha.

Além disso, os debatedores fazem questão de ressaltar que as empresas seguem empenhadas e pretendem seguir evoluindo. Também citam, como exemplos de sucesso, alguns casos. Já há soluções que circulam com restrições geográficas, como no caso dos veículos de Cruise e Waymo que rodam em São Francisco e Phoenix, nos Estados Unidos.

Na Alemanha, a Mercedes-Benz oferece o Drive Pilot, que tem nível 3 na escala SAE International. O sistema foi o primeiro, vale destacar, a receber licença internacional, em fevereiro deste ano. Com isso, a tecnologia germânica atende ao Regulamento Nº 157 da ONU (Organização das Nações Unidas).

No Japão, a Honda é outra fabricante que oferece produtos com nível 3 de automação. Além do Super Cruise, da General Motors, outros conhecidos sistemas de nível 2 são o Autopilot, da Tesla, o Pilot Assist, da Volvo, e o BlueCruise, da Ford. Se estes ainda não são os patamares aos quais pensávamos atingir nos idos de 2010, já apontam clara direção rumo a um futuro no qual o automóvel será, de fato, uma extensão dos centros urbanos.