Mulheres no Guidon
“Viajar com moto pequena é perigoso”. “Esse tipo de moto não serve para esse roteiro”. “Você tem pouca experiência”. Estes são alguns dos conselhos pessimistas e preconceitos que inundam redes sociais e fóruns virtuais.
Mas, na semana em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, Infomoto mostra histórias de motociclistas que deixaram todos os questionamentos que o machismo gera para trás, assumiram o guidão de seus sonhos e partiram para grandes aventura sobre duas rodas.
De scooter na Austrália
Vivendo na Austrália há 15 anos, como defensora pública de ex-combatentes das Forças Armadas, membros da comunidade aborígene e imigrantes brasileiros, Danuzia Pontes já viajou de carro pelo “continente-ilha” diversas vezes. Foi a Port Douglas e Cape York, no extremo norte, sempre sozinha.
Aos 37 anos, trocou o volante pelo guidão. Fez um “estágio” pedalando por Sydney, e depois adquiriu um Honda PCX 150. Em janeiro deste ano, resolveu viajar com seu scooter de 150 cc num trajeto de 300 quilômetros entre Sidnei e Muswelbrook, no interior do país.
Tudo isso mesmo sendo constantemente desencorajada por outros motociclistas em fóruns virtuais. “Sempre tem alguém dizendo que eu teria problemas, mas simplesmente ignorei e peguei a estrada”, conta.
Apesar da pouca distância e do percurso cheio de longas retas, Danuzia levou sete horas para chegar ao destino. Isso porque encontrou fortes ventos e uma temperatura de 47 graus no deserto. De Muswelbrook ela partiu para Tamworth, para acompanhar um festival de música country.
Pelo caminho, felizmente, as experiências de interação foram positivas. “Os motoristas e caminhoneiros que encontrei foram muito legais”, relembra.
Já no mundo virtual, Danuzia encontrou obstáculos, sobretudo em páginas de motociclistas. Perguntada sobre os riscos na Austrália, Danuzia responde com bom humor: “aqui é mais fácil ser assaltada por um canguru, caso você esqueça a comida para fora da barraca, do que por humanos”.
De motoneta nos Andes
A engenharia Rebeca Bonel, de Sorocaba (SP), conta com uma valente Honda Biz 125 2006 para se locomover no dia a dia. O carinho pela motoneta é tanto que ela já ganhou até um apelido: Bizoca.
Pois Bizoca foi capaz de levar Rebeca em duas viagens muito longas. A primeira, em 2015, consistiu em andar 1.500 quilômetros até até Florianópolis (SC). No início deste ano veio um desafio maior: rodar 8.000 quilômetros, ao longo de 24 dias, passando por Chile e Argentina.Muitos ficaram perplexos com o feito. “Eles [os homens] ficavam admirados com minha coragem e audácia”, relata. Tomar coragem para colocar o pé na estrada foi o mais difícil. “Fiquei muito ansiosa, achando que nada ia dar certo”.
Durante a aventura, Rebeca teve que dormir em locais “longe da civilização” e conviveu com os efeitos da altitude na Cordilheira dos Andes, o que afetou o rendimento de uma moto que, além de pequena e pouco potente, é carburada. Para ela, o fato de ser mulher até ajudou. “Muitos ofereciam ajuda e todos me respeitavam”.
Garupa? Tô fora!
Fabricia Moraes é totalmente contra “garupas”. Moradora de Anapólis (GO), a produtora cultural e atriz só se sente feliz ao guidão. Atualmente é dona de uma custom Honda Shadow 600 e uma superesportiva Suzuki GSX-R 750. “Só saio de moto se for pilotando”, afirma.
Viagens não faltam em seu currículo. Dos 27 Estados brasileiros só não conheceu Maranhão e Pará. Ainda. “Meu trabalho me consome muito tempo, e ainda faço parte de um grupo que cuida de animais abandonados”, revela. Mesmo assim, sempre sobra um espaço na agenda para pegar a estrada.
Seu maior desafio é superar a altura de motos maiores: Fabricia tem só 1,56 metro de altura. Nada com o que ela não consiga lidar. “Não me acho melhor nem pior do que qualquer motociclista”, diz.
Em sua opinião, o preconceito acaba quando constatam que ela é capaz de dominar uma moto tão bem quanto qualquer outro. “Na estrada somos todos iguais”, é o seu lema.
Volta ao mundo
“Quero ir até o Alasca. De lá, vou cruzar para a Rússia e dar a volta ao mundo”, revela a suboficial da Marinha Gean Neide Andrade. Experiência não lhe falta: com uma Honda NC 700X ela já rodou mais de 60.000 km.
Moradora de Natal (RN), Gean Neide já viajou sozinha ao Deserto do Atacama (Chile), percorrendo 17.000 km em 35 dias. Lá, teve de encarar situações perigosas. “Caí no rípio (espécie de pedregulhos) em um lugar inóspito e frio. Estava quase anoitecendo e contei com meu treinamento militar para levantar a moto e seguir viagem”, relembra.
Obstinada, a militar também completou recentemente o Iron Butt (Bunda de Ferro, na tradução literaldo inglês), desafio norte-americano que consiste em rodar 1.000 milhas (quase 1.700 km) em menos de 24 horas. Completou a prova em 23 horas e 42 minutos.
Segundo Gean Neide, muita gente ainda se surpreende quando ela tira o capacete. “Quando veem que sou mulher, percebo olhares de surpresa”, conta.
Paz em duas rodas
Após sofrer durante dois anos com a chamada síndrome do pânico, a enfermeira Gláucia Buchalla encontrou nas viagens de moto um alívio. “Me trouxe uma paz que nada até então havia trazido”, revela a moradora da pequena cidade de São Pedro (SP).
Aos 50 anos e com poucos anos de “carta”, ela iria viajar com o marido para Argentina e Chile. De garupa. Para que, se ela poderia ir pilotando a própria moto? “Ele confiou em mim e comprei uma CBR 300R”, rememora. Foram 8.000 km de trajeto.
Hoje, mais experiente e dona de uma Harley-Davidson Iron 883, Gláucia enfrentou 10.500 km do Peru até a Bolívia, em viagem que durou 32 dias. Sua maior dificuldade é manobrar uma motocicleta que pesa 260 kg. “Quando preciso, meu marido me ajuda a manobrar”, diz.
Se na estrada o clima é de companheirismo, nas redes sociais os comentários são quase sempre negativos. “Criticam minha moto e minha falta de experiência. Dizem que são fatores que vão atrasar a viagem”, conta. É claro que ela não dá a mínima. “Tenho o apoio do meu marido e dos meus três filhos para ser feliz na estrada”.
O próximo roteiro já está sendo planejado: ir de São Pedro Ushuaia, extremo sul do continente americano, em trecho de mais de 5.600 km.