Responsabilidade no uso de medicamentos

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Newton Richa

Dr. Newton Miguel Moraes Richa é Médico do Trabalho, Professor dos cursos de Pós-Graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho e em Engenharia de Manutenção da UFRJ, representante da UFRJ na Comissão Nacional de Segurança Química – CONASQ – vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Diretor Executivo da Quantum SMS Auditoria, Consultoria e Treinamento.

Em seu livro “Saúde – Uma Estratégia de Mudança, o médico sanitarista Mário Chaves alerta que “a sociedade moderna é uma sociedade medicalizada”, que acredita cegamente na ciência e na tecnologia. Os melhores tratamentos são os que envolvem os medicamentos mais novos e caros. A tolerância cada vez menor das pessoas, a qualquer tipo de mal-estar ou dor, leva a um consumo crescente de medicamentos.

As pessoas precisam estar conscientes de que os medicamentos, em geral, não tratam as causas básicas das doenças, mas os seus efeitos. Além disso, todo medicamento, em consequência do consumo prolongado pode provocar efeitos colaterais indesejados, eventualmente, muito graves. Outra possibilidade são as interações, quando vários medicamentos são usados simultaneamente.

Em seu artigo “Quando os remédios são venenos”, publicado no Jornal do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em abril de 2015, Anthony Wong, Diretor Médico do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da FMUSP de São Paulo, alerta para as alarmantes estatísticas nacionais e internacionais da exposição a substâncias químicas.

O Toxicologista cita dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX), do Ministério da Saúde, que totalizaram 99.035 relatos de intoxicação humana, em 2012, no Brasil. Desse total, calcula-se que 45,3% resultaram do uso de medicamentos, com pelo menos 20 mortes por erro de medicação e automedicação.

Acrescenta Anthony Wong que as estatísticas norte-americanas, mais confiáveis que as brasileiras, indicam que eventos adversos e erros decorrentes do uso de remédios resultaram em mais de 106 mil óbitos, sendo a quarta ou quinta maior causa de morte naquele país. Além disso, causam um prejuízo de mais de US$ 117 bilhões ao sistema de saúde dos Estados Unidos, anualmente. A situação no Brasil não deve ser melhor e mostra-se urgente a necessidade de iniciativas para que a população consuma menos medicamentos.

Para prevenir os danos causados por medicamentos, Wong recomenda que as pessoas tenham em mente que o mais importante na consulta médica é transmitir sua história ao médico e ser corretamente examinado por ele; que muitas vezes o que os pacientes precisam é de uma palavra de conforto, um pouco de atenção ou uma orientação, e não de medicamentos; que os melhores médicos prescrevem menos remédios; e que os medicamentos e os venenos se diferenciam apenas pela dose e, por isso, devem evitar estoques de medicamentos em casa e não devem se automedicar, nem prescrever medicamentos para amigos e vizinhos.

Aos colegas médicos, Wong recomenda que respeitem sempre um dos mandamentos fundamentais da profissão, primum non nocere, ou seja, antes de tudo não causar dano; lembrem-se sempre de fazer a prescrição de medicamentos com cautela; conheçam os efeitos adversos do uso prolongado e as interações dos medicamentos que prescrevem.

O jornalista Cesar Baima, em seu artigo “Medicamentos de Risco”, publicado em O Globo de 19/02/2016, aborda estudo publicado na véspera, no American Journal of Public Health, que identificou uma explosão no número de vítimas de overdose de benzodiazepínicos, entre 1996 e 2013, tendo o número de mortes ultrapassado, em muito, o crescimento do consumo dessas substâncias, no mesmo período.

Conhecidos como ansiolíticos ou “drogas da paz”, os benzodiazepínicos são receitados para tratar ansiedade, insônia, estresse, tristeza, fobias e outros transtornos comuns na sociedade moderna. Em consequência, tornaram-se os medicamentos psicotrópicos (que agem no Sistema Nervoso Central) mais consumidos no mundo.

Embora mais seguros que outros psicotrópicos usados anteriormente, como os barbitúricos, “seu consumo indiscriminado, principalmente quando aliado ao uso de outras drogas lícitas e ilícitas, em especial álcool e analgésicos opióides, pode ser extremamente perigoso”.

O estudo evidenciou que os benzodiazepínicos foram responsáveis por 31% das quase 23.000 mortes relacionadas a medicamentos controlados nos EUA em 2013, que correspondem a uma taxa de 3,14 mortes por 100.000 adultos naquele ano, muito superior à taxa de 0,58 mortes por 100.000 adultos, observada em 1996, representando um sério problema de Saúde Pública para os americanos.

Os pesquisadores alertam que, como no caso de outros psicotrópicos, o uso continuado dos benzodiazepínicos leva a um estado de tolerância, ou seja, é preciso tomar uma dose maior para obter o mesmo efeito. Dessa forma, o consumo de benzodiazepínicos mais que triplicou no período de 1996 a 2013.

No Brasil, não há estatísticas detalhadas sobre mortes causadas por medicamentos, mas o consumo de benzodiazepínicos indica que o problema aqui pode ser igual ou maior que nos EUA. O artigo alerta para os riscos do consumo de Rivotril (Clonazepan), que foi o sétimo remédio mais vendido no Brasil, em 2012, prescrito principalmente por clínicos gerais, eventualmente sem experiência em quadros psiquiátricos que podem ser agravados por este medicamento.

Nesse contexto rico em perigos, é importante que os pacientes assumam sua parcela de responsabilidade no cuidado da própria saúde, adotando as sugestões descritas acima, lendo e compreendendo as bulas dos medicamentos que estão tomando e esclarecendo suas dúvidas com o médico que os prescreveu, para identificar e comunicar ao mesmo, possíveis efeitos colaterais o mais precocemente possível.

Autor do artigo: Dr. Newton Miguel Moraes Richa – Médico do Trabalho

Representante da UFRJ na Comissão Nacional de Segurança Química/MMA.