Agências de risco aprovam queda de dívida brasileira, mas aguardam PIB mais vigoroso

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BRASÍLIA (Reuters) – Em meio a indicações do governo de que a dívida bruta cairá em proporção ao PIB em 2020 pelo segundo ano consecutivo, as agências de classificação de risco têm reforçado que, para além de dados pontuais, querem ver a economia brasileira reagindo com mais força do que em seu cenário base, o que tem tardado a ocorrer.

Enquanto a Fitch prevê que o país crescerá 2,2% este ano, a S&P e a Moody’s estimam um avanço de 2% —em todos os casos abaixo da perspectiva oficial do governo, de 2,4%.

“Nos últimos anos houve diminuição do déficit primário e nominal, mas ainda não ao ponto em que, no médio prazo, a dinâmica da dívida fica estável ou favorável”, disse à Reuters a vice-presidente e analista sênior de ratings soberanos da Moody’s, Samar Maziad.

“Isso é porque o crescimento ainda não se recuperou de forma forte o suficiente e porque o ajuste fiscal que é preciso para conter os gastos, essencialmente para fazer com que caibam nas receitas, ainda não foi completo”, acrescentou.

Para Maziad, independentemente da política de pagamento antecipado de recursos do BNDES ao Tesouro —que tem ajudado a frear a dívida bruta sobre o PIB e que deve ser novamente empregada pelo governo neste ano— os dois elementos que vão “realmente determinar a evolução da nota de crédito do Brasil” são um crescimento mais alto e a aprovação de reformas ligadas à diminuição do gasto no curto prazo.

Entram neste grupo as propostas de emenda à Constituição (PECs) Emergencial e do Pacto Federativo, que acionam medidas de ajuste nas despesas obrigatórias em situação de desequilíbrio fiscal.

Ambas tramitam em fase inicial no Senado e integram uma congestionada pauta econômica no Congresso, que conta, por exemplo, com reforma tributária, autonomia do Banco Central, promessa de uma reforma administrativa, mudanças em leis cambiais e de recuperação judicial.

“As reformas que vão permitir que o governo cumpra o teto nos próximos anos são uma prioridade (para melhoria do rating)”, disse Maziad, argumentando que são elas que darão sustentabilidade à regra do teto de gastos, considerada um mecanismo crítico para manter a estabilidade e redução sustentável da dívida sobre o PIB.

Em 2019, a dívida bruta caiu pela primeira vez em seis anos, fechando o ano em 75,8% do PIB sobre 76,5% em 2018, movimento guiado pela venda de reservas do Banco Central e devolução de empréstimos do BNDES ao Tesouro.

Na quarta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a dívida bruta recuará novamente este ano. À Reuters, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, estimou ainda que o governo Jair Bolsonaro encerrará o mandato com a dívida em retração sobre o nível atual apenas considerando os recursos do BNDES que voltarão à conta da União.

Economistas ouvidos pelo Ministério da Economia, contudo, ainda projetam ligeira elevação do indicador a 76,20% do PIB em 2020 e 76,5% do PIB em 2021, conforme Prisma Fiscal divulgado nesta quinta-feira.

A analista principal do rating soberano brasileiro da S&P, Livia Honsel, avaliou que a diminuição da dívida bruta sobre o PIB em 2019 foi um sinal “encorajador”, mas frisou que a metodologia da agência “segue tendências de dois a três anos em vez de só um resultado anual”.

Para a nota de crédito do país subir um degrau, ela disse que a S&P aguarda um crescimento do PIB mais rápido que o projetado, uma redução também mais veloz do déficit fiscal nominal (que inclui o pagamento de juros da dívida), e uma estabilização da dinâmica de endividamento. Um fortalecimento do perfil externo é outro fator na mesa, pontuou Honsel.

Ao contrário da Moody’s, que dá peso para a evolução da dívida bruta, a S&P analisa com metodologia própria a dívida líquida do governo geral como percentual do PIB e as despesas com juros do governo como percentual de suas receitas.

Em 2019, inclusive, a dívida líquida do governo geral medida pelo Banco Central subiu a 58,3% do PIB, sobre 55,6% em 2018. O gasto com juros, por sua vez, sofreu redução em função da queda da Selic.

Honsel destacou que este último fator contribuiu para a agência mudar a perspectiva do rating brasileiro para positiva no fim do ano passado, mas reforçou que um ajuste para cima na nota do Brasil demanda melhoria de um retrato mais amplo.

“(Endividamento) é só um fator entre outros e não é necessariamente suficiente para um upgrade. Estamos monitorando um conjunto de riscos”, disse.

Nesta semana, a Fitch foi na mesma toada ao ressaltar que o resultado fiscal melhor que o esperado do país em 2019 foi parcialmente devido a fatores não recorrentes e a baixas taxas de juros.

“A queda do ano passado da dívida bruta sobre o PIB não altera nossa visão de que, na ausência de outras grandes receitas extraordinárias, pagamento antecipado de empréstimos pelo BNDES e vendas adicionais de reservas internacionais pelo BC, a tendência será de que a dívida aumente constantemente, embora de forma mais lenta, dados os contínuos déficits primários e uma frágil recuperação econômica”, escreveu a diretora sênior e co-head de ratings soberanos das Américas da Fitch, Shelly Shetty.

Em evento recente em São Paulo, ela disse ainda que, em média, países com perfil parecido com o do Brasil demoram de dez a 11 anos para recuperar o grau de investimento.

Atualmente, a nota brasileira está três níveis abaixo do mínimo para grau de investimento pela S&P e pela Fitch e dois pela Moody’s. As três agências cortaram o Brasil para território especulativo entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016, em meio à forte deterioração das contas públicas.

VISÃO DO GOVERNO

O próprio secretário do Tesouro avaliou em entrevista à Reuters que, em função de dados estranhos da economia, com a indústria apresentando resultados dissonantes em relação aos demais setores, ainda não há clareza acerca da projeção econômica para o Brasil neste ano.

Mansueto disse esperar um upgrade da nota de crédito do Brasil ainda em 2020 caso a expansão da atividade econômica se firme por volta de 2,5%.

Já o caminho para a retomada do grau de investimento é mais árduo e depende, na visão do secretário, da concomitante obtenção de superávit primário. O governo conseguiu economizar para pagar juros da dívida pela última vez em 2013. Pelas contas atuais da equipe econômica, o país seguirá na trajetória de déficits primários até 2022.