Nova linha de caminhões
Apesar do baixo crescimento econômico, reformas andando a passos lentos e cenário externo obscuro, com risco de recessão global, a Mercedes-Benz aposta na continuação do crescimento do mercado brasileiro nos próximos anos e se prepara para apresentar uma nova linha de caminhões no País, que em seu desenvolvimento consumiu R$ 1,4 bilhão, na última parte do programa atual de investimentos de R$ 2,4 bilhões para o período 2018-2020. Na última década, desde 2010, a empresa soma aportes de R$ 5,7 bilhões no País e no ano que vem deve anunciar novo plano quinquenal.
Os novos caminhões Mercedes começam a ser vendidos no País a partir do começo de 2020, mas serão formalmente apresentados ao público na próxima Fenatran, de 14 a 18 de outubro próximo no São Paulo Expo. Philipp Schiemer, presidente da empresa no Brasil e América Latina, sem adiantar muitas informações, promete que a nova linha trará muitas novidades com “os caminhões mais seguros e inteligentes do mercado, deixando a Mercedes melhor preparada para atender as demandas dos clientes pelos próximos dez anos”.
“Depois da profunda crise que começou em 2014, o mercado de caminhões está mostrando recuperação, iniciada no ano passado, ganhou mais energia este ano e tem boas chances de continuar no caminho do crescimento em 2020. Hoje existe um clima de maior confiança do investidor que não pode ser perdido e é neste momento que estamos trazendo mais novidades para eles”, afirma Philipp Schiemer. |
Caminhões extrapesados Axor e Actros
O executivo diz que boa parte dos investimentos foram feitos nas linhas de caminhões extrapesados Axor e Actros. Ele não confirma, mas também não nega e deixa parecer bastante provável que entre os lançamentos esteja a nova geração do extrapesado Actros, lançada ano passado na Europa. A geração anterior do caminhão é montada desde 2012 em Juiz de Fora (MG), mas está programado desde 2015 que a nova versão, quando chegasse ao País, seria produzida na fábrica de São Bernardo do Campo (SP) – que recebeu investimentos de R$ 600 milhões para implantação de linhas de manufatura 4.0 digitalizadas (leia aqui e aqui) e deve receber mais R$ 900 milhões para continuação desse processo até o ano que vem, agregando a montagem final de todos os veículos pesados da marca no Brasil.
A operação da unidade mineira ficará concentrada na soldagem e pintura de cabines para todos os modelos de caminhões. Essas áreas foram modernizadas com aportes de R$ 230 milhões de 2015 a 2018. Quando a transferência do Actros para o ABC paulista for efetivada, a linha de montagem final deve ser desativada. Schiemer não sabe informar se depois disso a planta de Juiz de Fora continuará trabalhando com o mesmo número de funcionários, pouco mais de mil, 330 deles contratados no ano passadojustamente para aumentar a produção do Actros de 15 para 22 veículos por dia, atendendo a demanda em alta pelo modelo.
Aquecimento e otimismo moderados
Com a recuperação do mercado doméstico de veículos comerciais, desde o ano passado a Mercedes contratou 1,4 mil pessoas. Desde setembro do ano passado a linha de caminhões em Juiz de Fora opera em dois turnos e o mesmo ocorre em São Bernardo desde janeiro deste ano. Também na fábrica do ABC paulista, as unidades de motores, transmissões e eixos, trabalham 24 horas em três períodos e este mês a planta de chassis de ônibus reabriu o segundo turno, o que não acontecia desde 2016. A ociosidade acima de 50% até o ano passado agora baixou para cerca de 40%, em nível “ainda alto”, na avaliação de Schiemer.
“Pode parecer que que voltamos ao topo da produção, mas os dois turnos não estão completos, poderíamos fazer mais; o que aconteceu foi só a recuperação parcial do mercado”, destaca Philipp Schiemer. |
O executivo trabalha com a projeção de que este ano as vendas domésticas de caminhões devem alcançar algo entre 92 mil e 93 mil unidades, o que representa crescimento de 22% sobre 2018, e a Mercedes deve sustentar seu terceiro ano consecutivo de liderança com 30% de participação. Para o mercado de ônibus a previsão é de avanço de 26% ante o ano passado, com 18 mil a 19 mil chassis comercializados, mais da metade deles da Mercedes.
Para Schiemer, essa evolução é lenta abre espaço para otimismo apenas moderado. “Ainda é pouco, muito longe do que já tivemos”, pondera, mostrando um gráfico com o pico do mercado brasileiro de caminhões em 2011, de 172,8 mil unidades, que afundou para 50,5 mil em 2016 e só em 2018 voltou a crescer com mais vigor. “O normal no Brasil seria algo como 120 mil/ano, sem nenhuma euforia”, diz.
Schiemer lembra ainda que não houve crescimento de frotas, o movimento até agora foi só de renovação, e mesmo assim mais da metade das vendas está concentrada no segmento de caminhões extrapesados, para atender o agronegócio. “Começamos a ver também alguma recuperação das compras no transporte de líquidos (bebidas e combustíveis), são os primeiros sinais positivos após cinco anos, mas outros setores como logística e construção civil continuam estagnados”, avalia.
Sob esse cenário, enquanto as vendas de modelos extrapesados estão em alta, os leves, médios e semipesados custam a sair das concessionárias, na opinião de Schiemer porque “ainda não há confiança dos pequenos empresários que têm caminhões para fazer entregas”. Para o executivo, só a volta do crescimento econômico mais vigoroso pode mudar o quadro. “A economia tem de andar, o Brasil não se sustenta com crescimento de menos de 1% ao ano”, aponta.
Apesar do fraco avanço da economia, ele reconhece que a consistente queda dos juros é um alento para sustentar a recuperação das vendas de caminhões. A taxa básica Selic está em seu nível mais baixo, hoje em 6% ao ano e tendência de baixar a 5% em 2020 – em 2015, no auge da crise, chegou a 14,25%. “O juro baixo estimula o empresário a investir, em vez de deixar o dinheiro rendendo no banco. Isso também melhorou a concessão de crédito, as taxas baixas tornaram o CDC competitivo e o Finame (linha com juro subsidiado do BNDES) agora é irrelevante.”
Cenário externo mais difícil
Se para o mercado brasileiro as perspectivas são otimistas, o mesmo não ocorre no cenário externo, com a formação de possível recessão global no horizonte. “Nos últimos anos o Brasil ia mal e a maior parte do mundo crescia, mas agora existe uma tensão global e isso nos preocupa. Parece que não teremos ventos a favor das exportações, que já estão em queda especialmente por causa da Argentina”, avalia Schiemer. “É um sinal de alerta, que torna mais urgente as reformas para garantir o crescimento interno.”
As vendas externas já representaram 40% da produção de veículos comerciais da Mercedes no Brasil. A recessão na Argentina fez o porcentual cair para 30% este ano e é possível que caia ainda mais. Para Schiemer, o cenário provável para as exportações em 2020 é de nova queda.
“O mercado argentino dava sinais de uma pequena recuperação em junho, mas depois do resultado das eleições primárias (com vitória da oposição) o cenário voltou a piorar e nada sugere que vá melhorar. As vendas não devem passar de 10 mil caminhões este ano e 2020 deve ser outro ano difícil. Os juros subiram para 75% ao ano, ninguém consegue financiar com essas taxas, a economia parou”, diz Philipp Schiemer. |
A fábrica da Mercedes na Argentina, em González Catán, hoje direciona quase toda a produção da linha Sprinter ao Brasil. A pequena operação de montagem de caminhões e ônibus foi suspensa.