Maiores economias crescem em sincronia
Pela primeira vez em dez anos, as maiores economias do mundo estão crescendo em sincronia, resultado dos prolongados estímulos proporcionados pelas baixas taxas de juros dos bancos centrais e do gradual diminuição das crises que reverberaram pelo planeta nos últimos anos, desde os EUA e a Grécia até o Brasil.
Todos os 45 países acompanhados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estão no rumo para crescer neste ano, sendo que 33 deles deverão acelerar-se em comparação a 2016, segundo o grupo. É a primeira vez desde 2007 que todos estão em expansão e é o maior número de países em aceleração desde 2010, quando muitos vivenciaram uma recuperação passageira da crise financeira global.
Fundo Monetário Internacional
Em julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava uma expansão de 3,5% da produção econômica global neste ano e de 3,6% em 2018 – de 3,2% em 2016.
Nos últimos 50 anos, foi raro ver um crescimento simultâneo em todos os países acompanhados pela OCDE. Além da década passada, isso aconteceu apenas no fim dos anos 80 e, por poucos anos, antes da crise do petróleo de 1973.
“Não é um ritmo particularmente rápido ou emocionante, é mais metódico e pesado, mas está funcionando bem”, disse Josh Feinman, economista-chefe global da Deutsche Asset Management.
O fenômeno acontece, ironicamente, quando movimentos nacionalistas nos EUA, Europa e em outros lugares ganham vida nova. No momento, a recuperação do crescimento vem impulsionando montadoras japonesas, mineradoras de carvão na Indonésia e fabricantes de empilhadeiras na Alemanha, entre outras empresas. As exportações dos EUA cresceram quase 6% ao ano no primeiro semestre, o melhor desempenho em dois trimestres desde o fim de 2013 e também ficou acima da média da década anterior.
Mas a situação pode mudar
A situação pode mudar se o crescimento sincronizado se transformar num aquecimento excessivo. Como os anos de crise mostraram, a disparada das ações ou dos mercados imobiliários regionais pode rapidamente se tornar em caos financeiro e derrubar as economias. Além disso, as autoridades monetárias, reunidas nesta semana na conferência anual do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), em Jackson Hole (Wyoming), pode fazer a recuperação sair dos trilhos se retirarem os estímulos financeiros rápido demais.
Mas por hora a recuperação parece bem encaminhada, porque a inflação está baixa e os bancos centrais vêm ajustando as política de forma gradual.
O cenário mundial
A presidente do Fed, Janet Yellen, e o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, podem citar – em seus discursos de hoje em Jackson Hole – o cenário mundial para justificar seus planos de retirar os programas de estímulo. Acredita-se que em setembro o Fed vai começar a enxugar sua carteira de US$ 4,5 trilhões, acumulada durante dez anos para ajudar a derrubar as taxas de juros e incentivar os gastos de investidores, consumidores e empresas. O BCE está próximo de encerrar seu programa de compra de títulos.
“Pela primeira vez em anos, estamos vendo sinais sincronizados de expansão econômica aqui nos EUA e no exterior”, disse Lael Brainard, diretora do Fed, em junho.
Fatores em funcionamento que sustentam a recuperação mundial
Há vários fatores em funcionamento que sustentam a recuperação mundial. Entre eles, economias da região do euro que estavam há muito tempo em dificuldades financeiras começam a mostrar sinais de recuperação, inclusive a Grécia. A OCDE prevê expansão de 1% para a Grécia neste ano, o que não é muito, mas é o melhor desempenho em dez anos, além de também vir acompanhado de uma queda no desemprego. Em julho, o país retornou ao mercado de bônus internacional com sucesso, o que não ocorria desde 2014.
O crescimento dos 19 países da zona do euro superou o dos EUA no primeiro trimestre e manteve o ritmo no segundo. A confiança na economia está em seu maior patamar em dez anos e o desemprego caiu para a menor taxa em oito anos: 9,1%. A expansão disseminou-se além dos motores tradicionais, como Alemanha e Holanda, com Espanha, França e Portugal apresentando avanço sólido.
Efeitos secundários da crise financeira enfim começam a se dissipar
Em muitas economias avançadas, incluindo os EUA, os efeitos secundários da crise financeira enfim começam a se dissipar. Os consumidores americanos pararam de reduzir suas dívidas e começaram a retomar seus padrões normais de gastos. A abordagem fiscal em muitas economias avançadas passou da austeridade para a flexibilidade. E, embora o Fed tenha começado a elevar o juro, a maioria das taxas pelo mundo continua baixa, inferior à inflação.
O mundo também se beneficia da reversão da onda de queda das commodities iniciada em 2014. Novas fontes de energia, como as possibilitadas pela técnica para extração do petróleo de xisto nos EUA, somadas ao lento crescimento mundial, haviam derrubado os preços. Agora, as cotações se firmaram e os investimentos vêm se recuperando.
Depois da forte queda das commodities
Depois da forte queda das commodities ter contribuído para levar o Brasil à sua maior recessão na história, o país agora deverá crescer 0,3% neste ano e 2% em 2018. O índice de preços mundiais de todas as commodities, organizado pelo FMI, acumula alta de 27% desde o início de 2016. O minério de ferro, crucial para o Brasil, subiu 37% desde sua mínima recente.
Embora o panorama internacional tenha impulsionado as ações dos EUA, investidores em outros países se beneficiaram ainda mais: os índices referenciais de ações da Turquia, Hong Kong, Argentina, Grécia e Polônia subiram mais de 20% neste ano, o dobro da valorização do índice Dow Jones.
“Todas as atenções voltadas às eleições dos EUA acabaram deixando de lado o quanto o resto do mundo estava melhorando”, disse Adolfo Laurenti, economista global do banco suíço J. Safra Sarasin.
O PIB do Japão cresceu a uma taxa anualizada de 4% no segundo trimestre, ampliando a sequência de expansão no governo do premiê, Shinzo Abe, para seis trimestres, com ajuda de um firme consumo doméstico.
Períodos de crescimento sincronizado
Os outros três períodos de crescimento sincronizado nos últimos 50 anos se estenderam por alguns anos.
Alguns sinais de efervescência também começam a pipocar fora do mercado acionário. A China depende cada vez mais de seu mercado imobiliário para crescer. Apesar da recente investida do governo para conter as compras especulativas, a persistente demanda por imóveis elevou a produção e as vendas de materiais de construção, móveis e outros itens. Os preços astronômicos das propriedades vêm levando muitos consumidores a conter os gastos.
Ainda assim, em termos gerais, a inflação está baixa no mundo, o que vai dar aos bancos centrais a oportunidade de prosseguir lentamente com a retirada dos estímulos. Isso vai tornar mais fáceis os dias em Jackson Hole, depois de anos de foco na gestão de crise e nas lamúrias sobre a perspectiva para a economia mundial. (Valor Econômico)