Volkswagen assume perfil autotech e concorre com Google e Apple

Prestes a divulgar plano estratégico, montadora aponta que suas principais rivais não estão no setor automotivo, mas no de tecnologia

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Volkswagen assume perfil autotech

Volkswagen assume perfil autotech

Volkswagen assume perfil autotech – O Grupo Volkswagen trouxe à luz como pretende dar as cartas no setor automotivo nos próximos anos. A pressa, misturada com o sigilo e a cautela corporativa, criam naturalmente uma nebulosidade acerca do que cada montadora vai fazer para alcançar as metas no novo contexto industrial. A companhia alemã, por outro lado, decidiu que é hora de dar mais detalhes a respeito do seu planejamento de longo-prazo.

No lugar de termos subjetivos, como busca por lucratividade e transição, o presidente do conselho de administração do grupo, Herbert Diess, em publicação em rede social, deu nomes e estabeleceu as rotinas que cada uma das unidades de negócios VW terá daqui para a frente. O discurso ousou abandonar o perfil comedido adotado por seus pares quando o assunto é futuro para, finalmente, afirmar que o ambiente competitivo mudará.

“Estamos evoluindo de um OEM clássico para uma empresa de mobilidade verticalmente integrada. Em um novo mundo, nossos concorrentes não são mais chamados Mercedes-Benz, Toyota ou Stellantis, mas Tesla, Foxconn, Apple, LG Electronics, Uber, etc, afirmou o executivo após reunião do conselho da companhia realizada em Berlim, na Alemanha.”presidente do conselho de administração do grupo, Herbert Diess.

A adição de novos nomes ao jogo, que configura a chamada concorrência assimétrica, demanda uma nova configuração da empresa. Nos termos do planejamento da Volkswagen, o sucesso no futuro será viabilizado não apenas pelo desenvolvimento de novas tecnologias, mas pela capacidade de luta que cada subsidiária terá na disputa com esses novos players.

No planejamento do grupo, subsidiárias ligadas à tecnologia ganham mais relevância e disputam espaço com empresas consolidadas (Reprodução)

“A empresa concluiu que passará a competir com empresas de outro setor porque o automóvel se transformará em uma plataforma conectada regida por software, algo que a organização ainda não domina e demanda muito tempo e investimento em desenvolvimento”, analisa Flavio Padovan, ex-presidente da Jaguar Land Rover, com passagens pela liderança da Ford e da Volkswagen, e atual sócio da consultoria MRD.

No caso da divisão de veículos, os desafios mostrados pela companhia apontam para uma oferta mais atrativa considerando a chegada de montadoras com propostas mais alinhadas com o futuro do setor, como é o caso da Tesla e da BYD, por exemplo. No caso da Volkswagen, essa oferta atrativa, na prática, está escorada nas outras novas unidades de negócios da companhia, na área da mecatrônica, software, baterias e soluções de mobilidade.

“Nesse novo contexto, as montadoras se mostram também como orquestradores de ecossistemas, ou seja, como centralizadoras de diversas tecnologias que desembarcam por meio de parceiros ou aquisições”,Marcus Ayres, da Roland Berger.

Rumo à plataforma única

A respeito da mecatrônica, a companhia está debruçada sobre o projeto de uma plataforma veicular chamada SSP, Plataforma de Sistemas Escaláveis em tradução livre do inglês. Este tipo de arquitetura, de acordo com a montadora, proporcionará ganhos de escala e, também, abrirá portas para que a empresa crie veículos com conteúdo tecnológico maior do que aqueles que são produzidos hoje.

Sobre a SSP poderão ser construídos todos os veículos do Grupo Volkswagen independentemente da categoria, algo que, a princípio, proporciona economia de custos e redução da complexidade de produção. Ao longo de seu ciclo de vida, estimou a montadora, poderão ser fabricados mais de 40 milhões de veículos por meio desta plataforma, cujas características também estão sendo exploradas em projetos da Stellantis e da Foxconn, fabricante de eletroeletrônicos de origem asiática.

A nova arquitetura é considerada uma evolução porque representa um tipo de hardware construído para funcionar com um software que integra todas as funções e recursos do veículo, algo que hoje ainda é incipiente no segmento. E considerando que os sistemas são a alma dos veículos do futuro, uma vez que a programação deles vai ditar sua performance e funcionalidades, a montadora também trata de focar seus esforços nessa área.

Foco em software e baterias

Quem fornecerá os sistemas veiculares à montadora será a sua subsidiária Cariad, fundada em 2020 na Alemanha e que mantém em seu quadro 4,5 mil funcionários, dentre desenvolvedores, engenheiros e designers de sistemas. A empresa já desenvolveu o VW.OS, o sistema operacional dos veículos Volkswagen, e a rede ao qual ele é conectado, a VW.AC, Volkswagen Automotive Cloud. Nesta área a Cariad é uma concorrente de empresas como Apple, Google, Mobileye e Tesla.

Nova concorrência: Herbert Diess em encontro com executivos da VW em 2021 que contou com participação de Elon Musk, da Tesla. (Reprodução/Twitter)

Assim como os sistemas, a montadora também considera prioridade a sua atuação no campo das baterias, uma vez que a tônica nos principais mercados dos veículos VW é a descarbonização da frota no curto-prazo. Dentro do grupo existem cinco subsidiárias que fornecem soluções de carregamento, como é o caso da Elli, na Europa, e da Electrify America, nos Estados Unidos. Ambas as empresas têm a participação da VW em seus capitais. Nesse segmento concorrem CATL, BYD, Tesla e a LG, segundo a montadora.

No campo dos serviços de mobilidade, o quinto pilar do planejamento de longo-prazo da VW, a empresa atua com sua marca subsidiária Moia, criada em 2016 e que oferece serviços de mobilidade no transporte público da Alemanha por meio de veículos elétricos. No mesmo segmento concorrem Uber, Waymo e Cruise, por exemplo.

Independência regional

O foco em novas tecnologias também demandará da montadora foco nos seus principais mercados, Estados Unidos e China, especificamente, contou Herbert Diess em sua postagem nas redes sociais. Segundo o executivo, no país asiático a estratégia será a de integrar marcas e plataformas.

A China é responsável por 40% das vendas do Grupo VW e sua política de eletrificação da frota levou a fabricante alemã a concentrar os seus esforços na região, que tem, desde janeiro, a regência de um dos seus principais executivos, Ralf Brandstätter.

Nos Estados Unidos, por sua vez, a meta é a de aumentar a participação de mercado para 10%. O planejamento para a região ainda será definido uma vez que os conflitos globais aumentaram a vulnerabilidade da companhia em termos de fornecimento de componentes, e isso de certa forma é considerado um entrave importante para o abastecimento do mercado norte-americano.

A escassez de chicotes elétricos produzidos na Ucrânia atrasou o lançamento de seu crossover elétrico ID5 de abril para maio, e bloqueios na produção na China estão prejudicando o ritmo nas linhas de montagem em um momento em que a montadora está tentando aumentar as vendas de veículos elétricos no país.

Com os holofotes voltados para estes dois mercados o grupo pretende conceder mais autonomia para a marca Volkswagen em outras regiões, seguiu Diess na postagem. Isso pode indicar, por exemplo, que a operação da montadora na América do Sul vai adotar um planejamento menos global, ou seja, focado nas demandas domésticas como a ampliação do uso do etanol na frota circulante de veículos.

“Definitivamente as grandes corporações da indústria automotiva estão reconhecendo que os headquarters não devem interferir nos negócios operacionais das regiões. O papel deles esta em focar na estratégia geral e garantir sinergias dentro de cada grupo e marca. Isto porque cada região ou país tem suas peculiaridades onde a competividade faz com que marcas normalmente focadas em alto volume e market share deem prioridade ao resultado para reduzir a dependencia financeira da matriz”, explicou o consultor Osmair Garcia, que já exereceu o cargo de vice-presidente de finanças e estratégia na VW América do Sul.

“Particularmente, a marca Volkswagen ganhará mais poder e se tornará totalmente autossuficiente. Somente se tivermos marcas líderes fortes, poderemos construir grupos de marcas poderosos e alavancar economias de escala”, escreveu o executivo.