Liderança automotiva limita foco em resultados imediatos

Pesquisa inédita de Automotive Business mostra que profissionais no comando do setor no Brasil dão menos ênfase à inovação do que deveriam e pensam pouco no longo prazo

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Resultados imediatosLiderança automotiva

Entregar resultados financeiros imediatos e manter o ritmo de projetos que vão garantir relevância do negócio no médio e longo prazos é um equilíbrio delicado para qualquer organização. A indústria automotiva encara esse desafio com particular dificuldade, conforme aponta o inédito estudo Liderança do Setor Automotivo. A pesquisa foi realizada por Automotive Business com 603 profissionais em posição de comando de montadoras de veículos, fabricantes de autopeças e outras empresas da cadeia produtiva no Brasil.

Com coordenação técnica da MHD Consultoria Empresarial, o levantamento mostra que as pessoas que lideram a indústria priorizam as entregas de curto prazo. Questionados sobre os maiores desafios de gestão que encaram no cargo, 40% desses profissionais apontaram o aumento da rentabilidade, 33% indicaram a busca por elevar as vendas e 32%, ampliar o engajamento dos colaboradores.

Quando o assunto são as barreiras que impedem a liderança automotiva de superar seus desafios, 83% apontam que a instabilidade política e econômica é o maior incômodo. Já 35% dos entrevistados destacaram a escassez de recursos e 33% sinalizaram como obstáculo a falta de profissionais bem preparados. Parcela de 29% dos respondentes indicou ainda a competição com outras empresas automotivas.

“É curioso notar que os profissionais apontam principalmente barreiras externas, que não dependem deles para serem resolvidas e, portanto, tendem a ser um incômodo permanente da indústria. Não podemos ficar estagnados e aguardar que tudo isso se resolva para ir em frente”, observa Paula Braga, diretora executiva de Automotive Business e uma das líderes da pesquisa Liderança do Setor Automotivo.

INOVAR É PRIORIDADE NO DISCURSO, NÃO NA PRÁTICA

 

Apesar de 88% dos entrevistados apontarem inovação como uma questão de sobrevivência para qualquer empresa, a liderança automotiva parece não colocar em prática essa filosofia. O tema aparece apenas no sétimo lugar entre os maiores desafios destacados pela liderança: só 24% dos entrevistados entendem que desenvolver novos modelos de negócio e fontes de receita é uma de suas principais tarefas na função que desempenham.

O resultado do levantamento é sintomático do momento que a indústria automotiva vive no Brasil. A liderança do setor precisa equilibrar os pratos e conduzir a saída da mais profunda crise que o segmento já enfrentou e, de outro lado, desenhar a estratégia certa para acompanhar a transformação que o setor automotivo e de mobilidade enfrenta globalmente com o avanço de novas tecnologias e a evolução da demanda dos consumidores. É a maior mudança já enfrentada nos 120 anos de história da indústria automotiva, o que exige olhar ainda mais abrangente dos profissionais em posição de comando.

“Se a liderança da indústria automotiva não conseguir levantar a cabeça e olhar adiante, estaremos fadados a viver preocupados em fechar o resultado no fim do mês, sem nenhum horizonte de entregar mais valor ou inovar”, defende Paula. Ela cita a frase de Peter Drucker, estudioso considerado o pai da gestão moderna: “Nenhuma empresa é melhor do que seu administrador permite.”

FALTA AUTONOMIA NO BRASIL

 

Outro resultado preocupante do estudo é que, mesmo com a crença de que inovação é essencial, uma parcela de 8% da liderança aponta que falta autonomia para inovar no Brasil, 7% indicam que não é uma prioridade no País e 6% destacam que é caro, apesar de todos os mecanismos de incentivo do governo ou da possibilidade de trabalhar uma mudança cultural na organização que não demande grande aporte financeiro. Parcela menor, de 4% dos entrevistados, indica que o Brasil não tem competência para inovar.

“Poucos entrevistados mostraram descrença no potencial da inovação no Brasil. Ainda assim, é alarmante porque estamos falando de líderes, então existe um efeito negativo multiplicador na companhia quando o certo seria que acontecesse justamente o contrário, com a liderança atuando para inspirar as equipes e ir em frente e inovar”, enfatiza Paula.

É curioso notar que parcela relevante dos profissionais, de 83%, se mostra descontente com a estrutura altamente hierarquizada que as empresas automotivas tradicionais apresentam. Ainda assim, essa liderança não sinaliza grande interesse em trabalhar em uma mudança cultural em suas organizações. Outro fator relevante é que, se a hierarquia não agrada completamente a quem está no comando, deve ser uma estrutura ainda mais ineficiente para o resto da organização.

TRABALHO SEM PROPÓSITO

 

O estudo apurou ainda que os homens e mulheres na liderança da indústria automotiva não têm consciência do propósito da empresa em que atuam. Apenas 6% dos entrevistados souberam definir esse aspecto da organização. O porcentual é crítico. As empresas mais valiosas do mundo, como Apple, Google e Amazon, têm propósito claro e amplamente comunicado para toda a companhia. Joey Reiman, fundador da BrightHouse e autor do livro Propósito: Por que ele engaja colaboradores, constrói marcas fortes e empresas poderosas, defende que empresas que têm clareza sobre a sua razão de existir possuem maior potencial de gerar transformação: “Marcas sem propósito fazem dinheiro, marcas com propósito fazem a diferença.”

“A simples entrega de resultados não é uma cultura corporativa”, reforça Paula. Ela lembra que liderar não é apenas entregar balanço positivo no fim do trimestre, mas sim escolher caminhos, decidir em quais áreas a companhia deve concentrar esforços e inspirar.