Consumo puxa retomada gradual, mas sólida
Liderada pelo consumo das famílias, a recuperação da economia brasileira é gradual, mas tem fundamentos sólidos, como a queda dos juros e da inflação, a melhora moderada do mercado de trabalho e a retomada do crédito para a pessoa física. Esse é, em linhas gerais, o quadro pintado por alguns dos integrantes do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), que vai se reunir em breve, devendo determinar que a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 ficou para trás.
A recessão terminou
Para o coordenador do Codace, Affonso Celso Pastore, a recessão terminou no quarto trimestre de 2016, opinião compartilhada pela professora Marcelle Chauvet, da Universidade da Califórnia. Já o professor Paulo Picchetti, da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que ela se encerrou no primeiro trimestre deste ano, quando o PIB cresceu 1% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, mas com uma expansão concentrada no setor agropecuário.
Os três ressaltam que essas são suas opiniões pessoais, e não a visão do Codace, responsável por estabelecer a cronologia dos ciclos econômicos do país. O Codace tem outros quatro integrantes, que não comentaram o assunto.
Ex-presidente do Banco Central (BC), Pastore considera que, dado o quadro de recuperação em vários setores da economia e a perspectiva de três trimestres consecutivos de expansão do PIB, o fim da recessão se deu no último trimestre do ano passado. “A recuperação não é exuberante, mas tem fundamentos e é sólida”, diz Pastore.
Sinais de que a atividade também avançou
Para ele, há sinais de que a atividade também avançou no terceiro trimestre, mesmo com a queda registrada em agosto por indicadores como a produção industrial, de 0,8% em relação a julho. Apesar desse recuo, a abertura dos números mostrou um quadro mais positivo, com alta em 16 dos 24 ramos industriais.
Na visão de Pastore, o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br), que mostra grande aderência ao PIB, aponta para alta no terceiro trimestre. Mesmo com o recuo em agosto de 0,38% do índice, a herança estatística para o terceiro trimestre é de 0,35%. Isso significa que, se o indicador ficar estável em setembro, haverá crescimento de 0,35% no trimestre em relação ao anterior.
“De acordo com o modelo de probabilidade de recessão e indicador coincidente que tenho para o Brasil, ela terminou no quarto trimestre de 2016”, diz Marcelle.“O trimestre seguinte, o primeiro de 2017, já foi de expansão.”
Recuperação começou de fato
Já Picchetti acredita que a recuperação começou de fato no segundo trimestre, apesar do crescimento no trimestre anterior. A questão é que a expansão de janeiro a março foi basicamente concentrado na agropecuária, que cresceu 11,5% em relação aos três meses anteriores, feito o ajuste sazonal. No período de abril a junho, o PIB avançou bem menos — 0,2% —, mas o crescimento foi mais disseminado.
No segundo trimestre, o consumo das famílias cresceu 1,4% sobre os três anteriores, contando em parte com o impulso da liberação dos recursos das contas inativas do FGTS. Mas há fundamentos sólidos e não transitórios por trás da expansão do principal componente do PIB pelo lado da demanda, segundo os analistas.
Pastore destaca os juros baixos
Pastore destaca os juros baixos, descontada a inflação, a retomada – ainda que lenta – do mercado de trabalho e a expansão do crédito ao consumo, “ainda mais favorecido pela redução gradual do comprometimento de renda das famílias”. De acordo com ele, há uma grande correlação entre o consumo das famílias e as vendas no varejo. Em agosto, o comércio restrito caiu 0,5% em relação a julho, na série livre de influências sazonais, enquanto o ampliado (que reúne veículos e autopeças e material de construção) cresceu 0,1%.
Mesmo com esse resultado, a herança estatística do varejo ampliado para terceiro trimestre ficou em 1,7%. Ou seja, mesmo se as vendas em setembro não crescerem nada na comparação com o mês anterior, elas terão registrado um avanço de 1,7% sobre os três meses anteriores.
Relatório da A.C. Pastore & Associados estima que, se a Selic permanecer em 7% ao ano por todo o ano que vem, o comprometimento de rendas das famílias “deverá ter uma queda significativa”, recuando dos atuais 21% para perto de 18% da massa salarial disponível ao fim de 2018.
Cresce a capacidade de endividar-se para consumir
“Do ponto de vista das famílias cresce a capacidade de endividar-se para consumir, e do ponto de vista dos bancos caem os riscos de inadimplência”, resume a consultoria de Pastore. Hoje, a Selic está em 8,25% ao ano, e a avaliação dominante é que a taxa encerrará 2017 em 7%. “A queda do comprometimento de renda ajuda na sustentação da recuperação do consumo, que deverá permanecer como a força motriz mais importante na atual fase de recuperação da economia brasileira”, diz Pastore.
Marcelle também aponta vários fatores para a retomada do consumo das famílias, citando a inflação em queda, os juros menores, a disponibilidade de crédito à pessoa física e a renda advinda da liberação das contas inativas do FGTS. “Junta-se isso a redução da taxa de desemprego e o desempenho positivo do mercado financeiro, o que leva a um ambiente de maior otimismo comparado com os últimos anos”, diz ela.
Ao falar do quadro mais favorável para o consumo, Picchetti ressalta a melhora do mercado do trabalho, com um cenário mais positivo para os salários, mencionando ainda a queda da inflação e dos juros. É um movimento que vai além da liberação de dinheiro do FGTS, enfatiza ele.
Investimento
No caso do investimento, o quadro é menos animador. Pastore lembra que há uma grande capacidade ociosa nas empresas, não apenas no estoque de capital, mas também no caso da mão de obra. Antes de fazer investimentos mais robustos, as companhias deverão absorver essa elevada ociosidade.
Marcelle diz que um dos principais indicadores antecedentes do investimento é a indústria de transformação, especialmente a indústria de bens de capital. “Eu tenho um modelo de indicador antecedente da indústria de bens de capital que aponta um crescimento robusto e acelerado neste ano. A construção civil, por outro lado, não mostrou recuperação ainda”, afirma ela. “O investimento está se recuperando, mais fortemente em alguns setores e ainda não em outros, mas essa dinâmica de crescimento desigual é muito comum nessa fase de retomada no ciclo econômico.”
Melhora em bens de capital
Picchetti vê a melhora em bens de capital ligada à alguma recomposição do estoque de capital, por causa da depreciação depois de tanto tempo sem investimentos. Há também um avanço da produção de máquinas agrícolas, devido ao bom momento da agropecuária. O quadro da construção e da infraestrutura, porém, é complicado.
Para ele, a retomada firme do investimento está “condicionada à percepção de redução de risco”, o que passa pela aprovação de reformas que garantam uma “trajetória minimamente sustentável para as contas públicas”. Isso depende em boa parte de quem será eleito no ano que vem, que terá de mostrar na campanha, “de modo honesto”, a necessidade de medidas para enfrentar o problema fiscal, além de garantir apoio no Congresso para aprová-las, opina Picchetti.
Consumo puxa retomada
Em resumo, a recuperação ganha tração aos poucos, amparada no consumo das famílias. Um crescimento de 0,7% neste ano e de 2,5% no ano que vem é hoje o que aponta o consenso de mercado. Os mais otimistas veem a possibilidade de uma expansão de 3% ou até mais no que vem. Para Pastore, um crescimento de 3% em 2018 é “menos improvável do que há quatro meses, mas ainda não dá para cravar os 3%”.