Mercado externo
Os anos de crescimento econômico converteram o Brasil num porto seguro para a indústria automobilística. A demanda doméstica era suficiente para manter o ritmo das linhas na velocidade máxima e permitiu até expansões industriais. Como resultado, o mercado externo, não era uma prioridade já que era ofuscado pelo consumo interno oferecido pelo bom momento econômico e as vantagens tributárias dadas ao setor, pelo governo.
A crise, no entanto, fez o setor acordar para a necessidade de se voltar para novos mercados e a estabilidade cambial, agora, aponta o exterior como um novo campo a ser explorado. Além disso, o início da recuperação econômica na vizinha Argentina começa a despertar em algumas empresas um adormecido plano fortalecer a sinergia entre as fábricas do Cone Sul e, assim, preparar a região para a disputa global.
A perspectiva da facilidade na troca de produtos entre os países foi o que levou multinacionais do setor automotivo a ter fábricas no Brasil e Argentina, os dois maiores mercados da região. Uma série de fatores, no entanto, debilitou o Mercosul.
Mudanças no continente
Além da forte expansão do mercado brasileiro ter acomodado as montadoras, que passaram a produzir mais no país e abastecer a demanda interna, o acesso ao mercado argentino ficou mais restrito com travas a produtos importados durante o governo de Cristina Kirchner.
A mudança de governo na Argentina, há um ano, o câmbio mais favorável e, principalmente, a queda de demanda no Brasil, levaram as empresas a reformular estratégias. Nos últimos meses, o grupo RenaultNissan montou um plano que fortalece a base industrial em todo o Cone Sul, estimula o intercâmbio entre fábricas do bloco e favorece o lançamento de dois tipos de veículos inspirados nas necessidades da região picapes e utilitários esportivos.
“Com a crise você começa a se perguntar: ‘como posso rodar mais a operação?’”, afirma o presidente da Renault para a América Latina, Olivier Murguet. O grupo decidiu, então, investir na produção de picapes, um segmento importante na América Latina e até aqui pouco explorado pelas duas marcas. Segundo Murguet, as picapes representam 50% do mercado de comerciais leves na América Latina.
Sinergia entre fábricas
Duas fábricas da companhia francesa vão concentrar a produção de picapes em 2015, a unidade da Renault em São José dos Pinhais (PR) começou a produzir a Oroch, derivada do utilitário esportivo Duster e vendida hoje em vários mercados de países latino-americanos.
Há pouco tempo o grupo anunciou investimento de US$ 600 milhões para que a fábrica de Córdoba, na Argentina, que até hoje produzia apenas modelos Renault, passasse a fabricar uma picape Nissan, a nova Frontier. Esse veículo, até então, era produzido no Paraná.
Além da boa notícia para os argentinos o investimento garantirá a abertura de dois mil empregos diretos o deslocamento da linha Nissan, que até aqui entrava no país vizinho apenas como marca importada, serve para ajudar no equilíbrio da balança e do regime automotivo, que facilita o intercâmbio entre os dois lados da fronteira. “Precisamos que a Argentina envie veículos para cá para podermos exportar para lá”, afirma José Valls, presidente do conselho da Nissan América Latina.
PSA Peugeot Citröen
Outro grupo francês, a PSA Peugeot Citröen, também se volta ao fortalecimento dos dois maiores mercados do Mercosul. No início de dezembro, o presidente da PSA para a América Latina, Carlos Gomes, foi a Buenos Aires anunciar ao presidente argentino Mauricio Macri investimento de US$ 320 milhões numa nova plataforma de veículos na fábrica argentina.
Além de Brasil e Argentina, a Renault também tem fábrica na Colômbia, onde a montadora produz vários modelos. Segundo Murguet, a nova estratégia interliga mercados e cruza fluxos. “A produtividade chega com as fábricas lotadas”, afirma. “O Brasil viveu muito de produzir só para o Brasil”, afirma Valls.
Do lado brasileiro, a estratégia já trouxe aumento da participação das exportações. Segundo Murguet, este ano a fábrica do Paraná exportará 35% do volume de veículos que vai montar, o dobro do percentual de 2015. É uma fatia muito superior à média da indústria. Juntas, todas as montadoras vão exportar este ano em torno de 500 mil veículos, o que equivale a 23% da produção estimada para 2016.
Cresce o mercado externo
A fatia do mercado externo em 2016 será, no entanto, bem superior às dos últimos três anos. No ano passado, as vendas para outros países absorveram 17% da produção de veículos no país e em 2014, apenas 10,6%. Em 2013, ano recorde para o setor e de mercado interno aquecido, foram fabricados 3,7 milhões de veículos no país, mas só 15% seguiram para o exterior.
Uma fatia de 30% a 40% para exportações seria o ideal, afirma o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale. Em 2005, a participação das vendas externas de veículos brasileiros no total produzido chegou a 30%.
O cenário atual é favorável à retomada de mercados de outros países, segundo Megale. O principal estímulo é a expectativa de estabilidade cambial, com a segurança das intervenções do Banco Central no mercado cambiário. “O governo deixou o câmbio de um jeito que nos permite não apenas exportar como também importar”, destaca.
Brasil começa a conquistar mercado
O Brasil começa a conquistar mercados da região até aqui dominados por veículos importados da Ásia. Chile, Colômbia e Equador são três exemplos. Segundo Megale as vendas de veículos produzidos no Brasil para chilenos e colombianos vão dobrar este ano. No caso do Chile, além do câmbio mais favorável, pesa, diz o presidente da Anfavea, o fato de a indústria brasileira começar a lançar modelos com mais tecnologia e segurança, uma consequência das exigências do InovarAuto, o programa que colocou esses itens como condição para garantir benefícios fiscais.
A experiência de Muguet, um executivo francês que já foi presidente da Renault do Brasil e também diretor da operação mexicana, o leva a crer que uma operação diversificada na região protege o setor das oscilações econômicas de cada país.
Resto do mundo
Além da América Latina, as montadoras se voltam, agora, para outros mercados, como o norte da África. Há poucos dias, o presidente mundial da divisão de caminhões e ônibus da Volkswagen, Andreas Renschler, aproveitou encontro com o presidente Michel Temer, a quem foi anunciar novo plano de investimentos no país, para pedir ao governo linhas de crédito para exportação para países mais pobres.
Mas, por enquanto, as atenções se voltam para os mercados mais próximos. A Argentina ainda absorve mais de 50% das vendas externas do Brasil e o mercado brasileiro é o destino de mais de 70% das exportações de veículos produzidos na Argentina. (Valor Econômico/Marli Olmos)