Wilson Bricio
Presidente da ZF para a América do Sul, tem uma consistente trajetória de liderança. Além de comandar a fornecedora automotiva na região, é também presidente honorário da VDI, Associação de Engenharia Brasil-Alemanha, onde desenvolveu uma série de projetos, incluindo um programa para fomentar a diversidade no setor.
Na quinta-feira, 14, ele participou de uma edição especial do AB Webinar sobre a pesquisa Liderança do Setor Automotivo, um estudo inédito feito por Automotive Business em parceria com a MHD Consultoria. A conversa foi um aquecimento para as discussões que estarão nos palcos do Automotive Business Experience, o aqui, evento que acontece no dia 27 de maio e já está com inscrições abertas.
Na entrevista ao vivo, o executivo comentou os resultados do levantamento, respondeu às perguntas da audiência e alertou: “Se o propósito da companhia em que você trabalha não for aquele que te faz levantar da cama feliz de manhã, é melhor procurar em outro lugar. Pessoas frustradas não dão bons líderes”.
Confira a seguir os principais trechos da conversa.
Com a indústria em transformação, quais evoluções você percebe no seu papel como líder nos últimos anos?
O papel da liderança está mudando com a necessidade de trabalhar em rede. Mesmo sendo líder, preciso fazer parte do time. É importante estabelecer esse elo dentro da equipe. Se você não souber ouvir, está perdendo uma grande oportunidade porque, para tirar todo o potencial das pessoas, precisamos entender o que elas querem. Na medida em que você faz os times participarem dos processos decisórios, de enfrentamento de novas situações, você cria um potencial grande de realização.
Uma característica da liderança na indústria automotiva é que a maioria destes profissionais tem formação em engenharia e administração. São também pessoas que estão há muito tempo no setor. Este é o seu caso? Fale um pouco de sua experiência.
Eu comecei na área de equipamentos, passei por bens de capital, desenvolvimento de produto, engenharia e fui para serviços. Fui vice-presidente de operações de uma empresa na Alemanha e voltei como CEO. Trabalhei em várias áreas e, ao chegar no setor automotivo, percebi que muita coisa que aprendi em outra indústria trazia benefícios e adicionava valor aqui. Essa pluralidade é importante para você entender a complexidade do mundo. Quando falamos da formação, percebo que ainda damos pouca atenção à gestão de pessoas. Este é o futuro. Todo técnico, engenheiro ou cientista vai precisar lidar com isso.
Que novas competências as pessoas precisarão desenvolver para liderar na era da indústria 4.0?
Em primeiro lugar é importante entender o que motiva as pessoas. O que as prende, o que as faz realizar aquela coisinha a mais que garante o sucesso. Isso começa por entender até a questão da diversidade. Todo mundo busca lidar com seus similares, mas quando você está dentro de um time, tem que aprender a usar o potencial de cada um, aproveitar as diferenças.
Nesse contexto, se comunicar bem é fundamental. É preciso formular estratégias e traçar objetivos claros para o grupo. A formação técnica também é essencial, mas são as duas competências combinadas que farão diferença no futuro.
Quando falamos de pessoas, o setor automotivo tem pouca diversidade. A maioria da liderança é branca e masculina. O tema diversidade é importante para a ZF? Como vocês têm trabalhado essa questão?
A diversidade é, em primeiro lugar, questão de respeito. Algo que só vem através da educação. Você pode criar movimentos em curto espaço de tempo em função de uma minoria dentro das empresas, mas acho que isso é algo que deveria começar lá atrás. O Brasil ainda é um País onde, infelizmente, existe o preconceito velado.
Na ZF nós sabemos do potencial que a diversidade traz. Fazemos muitos treinamentos para estimular que as pessoas busquem o valor em todos. Também questionamos muitas coisas em nosso processo seletivo. Sempre precisamos entender porque alguém foi escolhido em detrimento de outro, se tínhamos negros e mulheres na etapa final de seleção para a vaga.
Vale lembrar que, no mercado, o poder de decisão de compra da mulher é cada vez maior.
Sim. Você abre um potencial muito grande ao trazer para a empresa formas diferentes de pensar, de perceber o mundo. Todos estes olhares estão corretos e podem se complementar. É aí que conseguimos uma combinação explosiva em termos de potencial de sucesso.
Você se preparou para a liderança? Tinha essa ambição ou foi uma trajetória natural em sua carreira?
Aconteceu. Eu comecei em uma área bastante técnica, na engenharia, e percebi dificuldades que existiam nas interfaces entre o desenvolvimento e os departamentos de atendimento. Fui depois para uma nova função e precisei entender a gestão, como comunicar, como motivar as pessoas para atingir objetivos. Foi acontecendo. Me aprimorei e acho que tenho essa competência de fazer as pessoas trabalharem juntas, de formar times. Talvez já fosse uma habilidade minha que, lá atrás, eu não sabia que tinha. No começo eu queria ser desenvolvedor da Nasa, um cientista (risos).
Como é a formação de um líder? É preciso focar na parte técnica ou na gestão? O que o mercado demanda nesse momento?
Existe uma formação técnica básica necessária porque lidar com tecnologia exige uma disciplina que você só aprende formalmente. Agora, em algum ponto você tem que escolher para onde quer ir. Se a gestão de pessoas e de equipes te interessa, será preciso buscar um caminho para se desenvolver nessa área, abdicando de algumas coisas.
Esse foi um processo muito claro na minha carreira: precisei abrir mão de me envolver em problemas técnicos e encontrar as melhores pessoas para fazer isso. A pior coisa que pode existir é um líder que resolve toda questão técnica que aparece, desautorizando a equipe encarregada.
Como manter uma equipe motivada no longo prazo, principalmente em um momento de transformação, como o que estamos vivendo?
Existem alguns elementos básicos que um líder precisa para manter uma equipe junta. Em primeiro lugar, é essencial definir objetivos, o que a companhia precisa atingir. Também é importante tomar decisões quando é necessário, mas todo mundo tem que ser informado, estar ciente – e aí entra a parte da comunicação.
A liderança precisa ser muito transparente para dizer às pessoas o que precisamos atingir, o que se espera delas. Em um processo de mudança, você tem que comunicar direito. Sempre busquei trazer todo mundo para perto dos temas, para as discussões, e ouvir muito antes de tomar a decisão final. Às vezes você tem que dizer não, mas é fundamental ser transparente mesmo neste caso.
O contexto de mudança é um fator crítico quando falamos de liderança?
Uma questão importante é que, em algumas situações, o líder precisa criar crises. Está indo tudo muito bem, os resultados estão maravilhosos, a empresa está crescendo, mas você começa a antever uma mudança do cenário. É o que acontece hoje, com muitas empresas antecipando questões como a eletrificação e a mobilidade nas grandes cidades. É preciso se preparar para estas mudanças no contexto.
Como a ZF conduz o desafio de buscar os resultados de curto prazo enquanto trabalha para reinventar o negócio no longo prazo?
Temos que dar resultado. Existe uma negociação de objetivos com o conselho da ZF. Aí é importante a liderança representar seu time, discutir as coisas para definir objetivos tangíveis. Também estamos sempre trabalhando pelo futuro da indústria no Brasil, pensando em como as mudanças impactam o nosso negócio. A cada três ou quatro meses colocamos toda a gestão junta, os vice-presidentes e diretores, para discutir como garantir a nossa performance para o futuro. Nestes encontros, eles me dão feedback, me dizem se estou indo bem ou mal. É importante ter isso para não ficar cego, preso à minha própria perspectiva.
Você percebe algum preconceito das empresas em relação ao profissional mais velho? O que você acha desse balanço de gerações no setor automotivo?
Sim, existe discriminação nas duas pontas, honestamente falando. É uma coisa antiga, um dos nossos paradigmas que precisam ser quebrados. As pessoas devem ser avaliadas pelo potencial que têm, pelo podem entregar. No fim das contas, há preconceito de idade, assim como existe preconceito de gênero e de raça. Precisamos assumir que nós temos preconceito. Você só cura sua doença quando admite que está doente.
Como a ZF trabalha o paradoxo da indústria automotiva falar muito em inovação, mas no dia-a-dia, na prática, nem sempre priorizar este assunto?
Existe uma imagem que se faz da inovação de que é sempre alguém que vai inventar um produto novo e revolucionário. A inovação está em tudo, pode permear todas as nossas atividades: a gestão, a gestão de pessoas, financeira, no marketing. O Brasil tem muita capacidade.
O que não temos é competitividade. Hoje nós estamos no 125° lugar em termos de facilidade de ambiente de negócios no mundo. Isso é muito ruim. Com toda essa carga de impostos, todos esses oligopólios com os quais a gente lida no dia a dia, não conseguimos exportar como deveríamos. Para o Brasil ter mais foco em pesquisa na indústria automotiva, vamos precisar ser competitivos globalmente, mudar o nosso ambiente de negócio.
Há empresas que tentam ser o Google quando se trata de inovação, mas internamente se perdem em assuntos básicos. Como vocês trabalham este equilíbrio na ZF?
Não existe fórmula pronta. Indústrias diferentes precisam de abordagens diferentes, Estamos em um setor bastante tradicional. Não adianta querer virar o Google de repente dentro do ambiente de negócios industrial que tem suas regras. O ideal é criar um espaço beta dentro da empresa para começar a fazer algumas inovações, para experimentar e aprender. Assim, dá para avaliar o risco e introduzir as novidades na companhia.
É preciso incorporar o espírito de startup, de trabalhar com agilidade e liderar pensando em ter um time, não em dar ordens. Empresas como as automotivas, que estão aí há mais de cem anos e aprenderam a viver com as mudanças, também podem começar a experimentar algumas características de startup. Isso é possível, mas tem que ser feito de forma planejada. No fim das contas, não adianta ser uma empresa bonitinha e não entregar resultado.
A ZF é uma empresa que tradicionalmente fornece para a indústria automotiva. Com a digitalização, a companhia cria novos modelos de negócio e começa a se aproximar do consumidor final. Qual é, afinal, o papel da organização hoje?
Estamos desenvolvendo vários produtos que serão necessários no ambiente de mobilidade do futuro. Temos os nossos negócios tradicionais e, com a aquisição da TRW, complementamos o portfólio. O grande desenvolvimento está na área de inteligência artificial e, nesse ponto, temos um dos sistemas mais avançados do mundo, e já entrando em operação em 2019.
Estamos levando para as divisões essa cabeça de startup para melhorar os processos, e ganhar velocidade nas decisões para atender aos clientes. Temos uma divisão, a Zukunft Ventures, que está fazendo uma série de parcerias para trabalhar nessas novas tecnologias de forma livre, separada da estrutura tradicional, algo que tem dado bastante resultado.
A pesquisa sobre liderança que realizamos revelou que apenas 6% dos entrevistados souberam definir qual é o propósito da empresa em que trabalham. Como isso funciona na ZF? Qual é o propósito da empresa? A ZF existe para levar mobilidade competitiva para todos, democratizar a mobilidade. Não só como transporte, mas em aspectos como conforto, segurança, além da questão das fontes energéticas. É importante se perguntar por que a empresa está aqui e o que queremos deixar como legado.
Como você se informa e se mantém atualizado? Conte de alguma descoberta recente: um livro, um filme, etc.
Eu leio muito na internet. Gosto muito de filmes e, principalmente, de interagir com pessoas, ouvir as ideias, entender outras realidades. Sou do contato pessoal. Recentemente assisti a uma série que me impressionou muito: Designated Survivor. Cada capítulo é uma aula de liderança com temas como gestão de crise, gestão de pessoas. Recomendo assistir e prestar atenção nestes aspectos. Achei fantástico.