Brasil pode perder ‘bonde’ dos carros elétricos
Além do alto custo desses veículos, desafios de logística e infraestrutura podem fazer o país perder este primeiro “bonde” da produção em massa de carros elétricos.
“Carro elétrico não faz sentido no Brasil nos próximos 30 anos. As distâncias são muito grandes”, diz o presidente da Audi no país, Johannes Roscheck.
“Lançar carro elétrico não depende só do desejo dos clientes. Tem que ter infraestrutura, ela precisa estar pronta”, afirma David Powels, que comanda a Volks no Brasil e na América do Sul.
“Vamos ter a oportunidade de importar vários produtos elétricos (no Brasil). Mas isso vai demorar um pouco, temos outras prioridades”, completa.
Vendas em alta
No Brasil, modelos híbridos e elétricos tiveram um salto nos emplacamentos em 2017, com 2.097 unidades até agosto – quase o dobro dos 1.091 registrados em 2016 inteiro, segundo a Anfavea. O modelo de maior volume, o Toyota Prius, custa R$ 126.600, importado do Japão.
No entanto, eles ainda representam uma parcela ínfima da frota: são 5,5 mil unidades que representam apenas 0,005% dos 92 milhões de veículos que circulam no país, segundo o Denatran.
Quando se restringe o número apenas a carros 100% elétricos (sem motor a combustão), o Brasil fica ainda mais para trás.
A Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) estima que apenas 10% do total de veículos “verdes” seja elétrico de verdade, ou seja cerca de 550 unidades, enquanto na Noruega eles já chegam a 28% do total, após anos de incentivos para aquisição.
País | Fatia do mercado | Unidades (milhares) |
Brasil* | 0,005% | 5,5 |
China | 1,37% | 648,77 |
EUA | 0,91% | 563,71 |
Japão | 0,59% | 151,25 |
Noruega | 28% | 133,26 |
Holanda | 6,4% | 112,01 |
* Na tabela acima, os número do Brasil mostram elétricos e híbridos com motores a combustão até agosto de 2017. O montante dos demais países considera apenas elétricos e vai até o fim de 2016.
O peso do etanol
Não é só a questão da estrutura e da tecnologia cara. O etanol também tem um papel importante neste ritmo mais lento do mercado brasileiro para os elétricos.
Com o biocombustível usado nos carros há décadas, o país tem uma matriz energética mais “limpa” que os europeus e não precisa ter a mesma “pressa” na adoção dos elétricos para cumprir as metas globais de redução de poluentes, aponta um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“O Brasil não pode olhar para a Europa e China e querer fazer a mesma coisa. Temos que olhar para o etanol, este tipo de combustível traz um benefício muito grande”, argumenta o presidente da Audi.
Em meio a uma queda de braço com o governo federal sobre novas metas de eficiência energética para o Rota 2030, a indústria automotiva nacional quer que os benefícios do etanol sejam considerados nas metas de eficiência energética.
A solução “caseira” do etanol deve surgir com força por exigir menos investimentos e também porque pode aparecer também nos híbridos (com célula de etanol SOFC), que devem ser os primeiros a ganharem mais espaço.
Até agora o Brasil não anunciou metas para a adoção de veículos com propulsão alternativa, muito menos uma data para acabar com a venda de modelos movidos a combustíveis fósseis, como Reino Unido e França, que colocaram o limite em 2040.
Elétrico é viável?
Pelo menos, as discussões do Rota 2030 envolvem a ampliação de ampliar os incentivos fiscais para reduzir o alto preço dos elétricos e híbridos.
Desde 2015, os elétricos “puros” (que não estão associados a motores a combustão) não pagam os 35% de Imposto de Importação, enquanto os híbridos pagam de zero a 7%, dependendo da eficiência energética.
Estes carros estão entre os mais econômicos do Brasil, mas continuam com alíquota de 25% no Imposto sobre Pordutos Industrializados (IPI) – a mesma faixa dos “beberrões” motores a combustão acima de 2.0 litros.
Se houver uma redução do IPI para algo em torno de 7% (faixa dos populares 1.0), mais opções poderão chegar no mercado brasileiro.
Incentivos a carros elétricos no mundo
País | Monetário | Imposto |
China | Entre US$ 6 mil e US$ 10 mil | Isenção na compra |
Japão | Até US$ 7.800 | Não tem |
Holanda | Não tem | Taxa de circulação zerada |
Noruega | Não tem | Isenção na compra (US$ 12 mil) e IVA (valor adicionado) |
“Gostaríamos de levar os novos i3 e i3S, assim como outros híbridos. Mas temos que saber primeiro o que será do Rota 2030. Vamos esperar esta definição para acertar a estratégia”, pondera Helder Boavida, presidente da BMW.
A Mercedes também diz estudar o retorno do subcompacto Smart ao mercado brasileiro, mas em sua versão elétrica. No entanto, a chegada está condicionada a uma legislação mais amigável.
Vai ter elétrico brasileiro?
Se a importação é escassa, a possibilidade de o Brasil produzir seus carros elétricos é vista como restrita num médio prazo. A demora para estruturar a fabricação desse tipo de veículo pode ser custosa a um país que retoma, com força, as exportações.
“Não estamos nos preparando para produzir veículos híbridos e elétricos. E isso não se faz de uma hora para outra”, aponta Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford.
Wilson Bricio, presidente da ZF, fornecedora de dezenas de componentes para fabricantes, acredita que a tecnologia chegará de qualquer forma. “Temos que definir o que vamos ser quando crescermos. A tecnologia vem, nacional ou importada”, prevê.
Para Ricardo Guggisberg, presidente da ABVE, a indústria tem razão em cobrar os benefícios do etanol, mas a transição para o mundo sem combustão será inevitável.
Algumas iniciativas, como a de um grupo catarinense, mostram que o Brasil tem capacidade para desenvolver modelos elétricos, no entanto, será difícil pegar a primeira “onda”.