Anfavea vê recuperação instável
Após quatro meses seguidos de crescimento do mercado brasileiro de veículos, que culminou em agosto com o melhor resultado mensal desde março quando a pandemia de coronavírus atingiu o Brasil, a associação dos fabricantes, a Anfavea, já admite que deverá melhorar sua projeção de vendas este ano, que em junho estimou em queda sobre 2019 de 40%, para apenas 1,67 milhão de unidade. Contudo, o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, avalia que a recuperação ainda é instável, por isso só no início outubro serão apresentadas as previsões revisadas para vendas domésticas, exportações e produção.
Na apresentação de resultados da indústria divulgados pela Anfavea na sexta-feira, 4, Moraes classificou de “número muito bom dada a situação” os emplacamentos de 183,4 mil veículos em agosto, crescimento mais tímido de 5,1% sobre julho e queda ainda acentuada de 24,5% sobre o mesmo mês de 2019. No acumulado de oito meses de 2020, os 1,16 milhão de licenciamentos estão 35% abaixo de igual período do ano passado.
“Foi o melhor mês desde março, mas o pior agosto desde 2006 e muito abaixo das 270 mil unidades que vendíamos por mês nesta época em 2019. Na soma de oito meses ficamos 628 mil unidades atrás do ano passado, atingimos só agora o total que já tinha sido vendido até maio”, ponderou Moraes. Ainda assim, os resultados são melhores do que os previstos pela Anfavea.
MAIS FATORES POSITIVOS AGORA
Moraes afirmou que quando a entidade fez as primeiras previsões, após o forte impacto da pandemia nos negócios, ainda não eram conhecidos os efeitos positivos de medidas que injetaram cerca de R$ 500 bilhões na economia e estão mitigando a crise, como o auxílio emergencial de R$ 600/mês que já garante renda mínima a mais de 60 milhões de pessoas que injetam R$ 250 bilhões na economia; ou as ferramentas de flexibilização de contratos de trabalho, com parte dos salários garantidos pelo governo, que retardaram demissões ao custo de R$ 50 bilhões e seguraram os níveis de desemprego; sem esquecer do pujante desempenho do agronegócio, que segue sustentando em alta vendas de caminhões, máquinas agrícolas e outros veículos; além da já prenunciada recuperação do setor de construção civil.
“Existiam na época projeções de queda do PIB de até 10% este ano, agora se fala em torno de 5%, o que é muito, mas bem melhor”, pondera o dirigente. Por isso ele antecipa que as novas projeções de vendas da entidade deverão ser melhores. Mas alerta que ainda há diversos fatores negativos no horizonte, como a escalada do desemprego, que pode dobrar para 20 milhões após o fim das medidas de flexibilização; ou o impacto na economia com a redução do auxílio emergencial para R$ 300/mês; tudo isso empurrando para a estratosfera a dívida pública que pode gerar ainda muitas instabilidades; além do crédito que ainda segue caro.
“Ainda precisamos olhar com cuidado todos os fatores que impactam os negócios. Passamos pela pior fase da crise no segundo trimestre. Agora não olhamos mais a queda passada, mas em qual velocidade será possível crescer no futuro. É fato que o terceiro trimestre já é melhor que o segundo, mas ainda analisamos e temos dúvidas de como será o ritmo até o fim do ano. Não é possível usar modelos econométricos conhecidos, porque essa crise é sem precedentes”, avalia Luiz Carlos Moraes. |
COMPORTAMENTO INSTÁVEL, SITUAÇÃO AINDA PREOCUPA |
O dirigente destaca ainda que a recuperação ocorre em velocidades diferentes e instáveis. Moraes lembra que o cenário para vendas de ônibus foi muito impactado pela pandemia e segue “dramático”, as compras de caminhões desaceleraram em agosto após um bom momento inicial em que havia represamento de pedidos quando as fábricas tiveram de fechar, enquanto o ritmo de emplacamentos de veículos leves segue instável nas diferentes partes do País, com queda em São Paulo (o maior mercado nacional) de 17% nas vendas de agosto sobre julho, contra crescimento de 18.000% no Piauí, onde o Detran ficou fechado até um mês antes.
“Essas diferenças demonstram que os números ainda são influenciados por vendas do passado. É mais provável que setembro traga o número mais real do atual ritmo do mercado, daí conseguimos estimar melhor os próximos meses”, explica Moraes.
Para as novas estimativas de produção há mais pontos de interrogação. Isso porque, ao mesmo tempo em que o mercado interno se recupera com números ainda instáveis, as exportações têm forte viés negativo, por dois fatores: o primeiro é que os principais mercados de externos dos veículos brasileiros na América Latina ainda enfrentam a paralisia econômica causada pela pandemia e reduziram muito suas compras; o outro problema está posto logo mais à frente, tendo em vista que fábricas em países mais competitivos também enfrentam grande ociosidade e vão buscar exportar mais, o que pode fazer o Brasil perder clientes externos e projetos de novos produtos, que poderão ser feitos em outros lugares.
Com essas perspectivas, Moraes avalia que a situação ainda é muito preocupante para a indústria automotiva nacional, que enfrenta a “combinação explosiva” de quedas expressivas de volumes, enorme ociosidade das fábricas que operam atualmente com apenas 45% de sua capacidade e aumento de custos, causado pela própria ociosidade e outros fatores como valorização do dólar e elevação dos preços de insumos como aço.