Projeto digital do Nivus
O inédito modelo 100% digital aplicado pela engenharia da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP) para desenvolver o Nivus, que encurtou em 10 meses o tempo de desenvolvimento do carro e economizou alguns milhões em custos de produção de protótipos, chamou a atenção da matriz da empresa na Alemanha, incluindo subsidiárias de outras marcas do grupo, como a Skoda. Com isso, o Laboratório de Protótipos Virtuais instalado dentro da planta Anchieta já começou a desenvolver projetos para fora do País, exportando serviços de desenvolvimento digital.
“Inauguramos esse modelo e o laboratório há cerca de um ano. O primeiro projeto totalmente digital foi o Nivus, mas logo começamos a receber pedidos de outras de outras fábricas e marcas do grupo no mundo. Após o Nivus, começamos a desenvolver cinco projetos e já temos mais cinco em vista”, conta Antoninho Valdambrini, supervisor de montagem final e realidade virtual, que lidera um grupo de 11 jovens engenheiros alocados na área de prototipagem virtual, “que seriam 19 até o fim do ano se não tivesse acontecido a pandemia de Covid-19”, ele acrescenta.
Toni, como é mais conhecido na Anchieta, destaca que as medidas de distanciamento social tomada na fábrica, impostas para conter o contágio pelo coronavírus, até agora não provocaram atrasos nos projetos em curso: “Estão todos com suas estações de trabalho em casa com muitas horas a cumprir”.
PROCESSO MAIS RÁPIDO E ECONÔMICO
Usualmente, o desenvolvimento de um veículos novo começa pelo design, que é repassado para a engenharia “fechar a matemática” de cada componente do carro (algo como 3,5 mil partes, sem contar parafusos e fixadores). Daí começa a montagem de protótipos (algo como 70), para ver se as peças se encaixam, se são “montáveis” em uma linha de produção, se o produto atende aos requisitos de dinâmica e segurança veicular, e assim vão se acertando os erros e incongruências que todo projeto desse tamanho tem.
No caso do Nivus não foi necessário montar nenhum protótipo físico, tudo foi feito no ambiente virtual, com imensa economia de tempo, recursos e dinheiro. Muito antes de o Nivus existir fisicamente e começar a ser fabricado, ele já estava pronto dentro dos computadores da engenharia na planta Anchieta.
“Projetamos 100% do Nivus com processos digitais, sem necessidade de montar um protótipo sequer. Isso reduziu em 10 meses o tempo de desenvolvimento”, conta Pablo Di Si, presidente da Volkswagen América Latina |
Com os recursos tecnológicos de alta definição que tem à mão, quatro semanas após receber os componentes virtuais da engenharia, Toni e sua equipe “montam” várias versões de um carro inteiro, com diferentes cores, equipamentos e especificações. “Antes levávamos 19 semanas para fazer um protótipo físico, em uma única versão de cada vez”, pontua. Isso sem falar na economia de montanhas de papel, onde antes eram detalhadas todas as especificações de cada peça de um carro.
No caso do Nivus, foram feitas nove variações virtuais (acabamentos, cores etc.), o que antecipou procedimentos de montagem mais eficientes, reduzindo o número de processos nas simulações, e evitou erros, pois todas as peças foram testadas previamente com ferramentas digitais. Com isso, só no Laboratório de Protótipos Virtuais a redução contabilizada de custos foi de 65% em relação a projetos anteriores. Com a tecnologia disponível também foi possível fazer virtualmente mais de 70% das simulações no Brasil (testes de segurança veicular e acústica, por exemplo).
DIGITALIZAÇÃO TOTAL
Com o uso de tecnologia de realidade aumentada, o laboratório também pode fazer o processo inverso, para checar se uma parte produzida está de acordo com o que foi projetado. Ao captar a imagem de uma porta, por exemplo, a câmera de um tablet coloca a peça dentro de um programa que a compara com o componente virtual, checando se todos os pontos estão corretos. É possível, ainda, adicionar ou redesenhar partes, como instalar um chicote elétrico na porta. Em apenas três horas é executado um processo que antes levava três dias, em média.
Dentro do “avatar”, o que se vê na máscara de realidade virtual é um carro pronto, como mostra a tela na parede (Foto: Murilo Góes/divulgação VW)
Usando máscaras de realidade virtual e uma espécie de “avatar” de um veículo, os engenheiros do laboratório podem interagir com o protótipo montado: é possível entrar no carro, ter noção espacial de como estão dispostos bancos, painel, alavanca de câmbio, freio de mão etc.; ou andar por fora e visualizar todos os detalhes de design do modelo. E se algo não agradar ou estiver fora do lugar, basta mais algumas horas de computador para mudar, sem custo de materiais, redução de mão de obra e em uma pequena fração do tempo que era exigido para fazer o mesmo em um protótipo físico.
A digitalização de protótipos projetou a área de Toni para vários outros setores da empresa. “Formamos diversas parcerias com marketing e serviços”, conta. Como o carro fica pronto no ambiente virtual antes mesmo de existir fisicamente, o laboratório forneceu muitas imagens de divulgação de produtos e para o sistema DDX das concessionárias, que permite aos clientes interagirem com um produto com máscaras de realidade virtual, de forma parecida como fazem os engenheiros. E como todas as peças e descrições dos veículos estão arquivados junto com os protótipos virtuais, Toni passou a ser fornecedor de dados para os manuais cognitivos virtuais que desde 2018 são adotados pela Volkswagen.
Interessante notar que boa parte das ferramentas digitais usadas pela Volkswagen para projetar o Nivus já existem há mais de uma década, fornecidas por empresas como Siemens, Autodesk e Dassault. Contudo, no setor automotivo poucos tiveram a coragem de confiar em um desenvolvimento de projeto 100% digital até o veículo final. A engenharia brasileira da Volkswagen foi a primeira a perder esse medo no grupo e agora ensina o resto do mundo a fazer igual. Em um momento de recursos limitados e investimentos congelados, esse tipo de disrupção poderá fazer toda a diferença para que a indústria e seus produtos continuem a evoluir.