Redução de emissões
Dentro de alguns anos à frente, quando as metas de redução de emissões de CO2 impostas pela União Europeia (de 40% entre 2020 e 2030) provocarem milhares de demissões na indústria automotiva da Europa, além de restringir drasticamente o acesso da classe média aos automóveis particulares, sem no entanto atingir os objetivos propostos, certamente Carlos Tavares será um dos primeiros a dizer: “Nós avisamos”. No caso, “nós” é a associação dos construtores europeus de veículos, a Acea, que Tavares preside atualmente, acumulando o cargo de CEO do Grupo PSA. Para ele, a Comissão Europeia (CE) tomou uma “decisão brutal”, que coloca em risco o futuro da indústria e seus 13 milhões de empregados em 15 fabricantes que atuam nos 28 países do continente.
“Simplesmente não quiseram nos ouvir. Dissemos a eles que o ideal seria 20% de redução das emissões até 2030, pois sabemos como fazer isso sem desestabilizar o setor inteiro. Tudo bem se tivessem nos desafiado com 27% ou 28%. Mas não 40%, o dobro da nossa recomendação. Seguiram na atitude infantil de que tudo que se impõe à indústria automotive é possível. Não é”, dispara Carlos Tavares. |
O executivo afirma que a decisão votada pelo Parlamento Europeu em outubro de 2018 trará dias difíceis à indústria. Tavares explica que, para reduzir as emissões de CO2 a níveis tão baixos, não há outra alternativa senão transformar em carros elétricos ao menos 30% da frota, para só assim evitar as pesadas multas previstas pela legislação europeia – em 2018 apenas 2% das vendas no mercado europeu foram de modelos elétricos recarregáveis.
“Como os veículos a bateria são muito mais caros, isso quer dizer que a classe média não poderá pagar por eles. A UE está criando uma mobilidade elitista, portanto. Esse encarecimento vai restringir a mobilidade das pessoas e fazer as vendas caírem bastante. Com mercado em queda e cada vez menor, os fabricantes já anunciaram, só para começar, que a partir de 2020 devem demitir cerca de 30 mil empregados nos próximos anos. Isso já está anunciado, é a primeira consequência dessa legislação brutal. Um deputado eleito pelo povo não deveria ter esse poder de eliminar empregos”, afirma.
A outra alternativa, ele pondera, “seria vender 30% dos carros (os elétricos) com prejuízo, o que obviamente não é sustentável e teremos de reestruturar, fechar fábricas, demitir pessoas. Mas os governos europeus não parecem ter qualquer sensibilidade quanto a isso”.
Elétricos trazem restrições
Tavares alerta ainda para muito outros problemas sem solução antes de partir para nível tão elevado de eletrificação. “Não existem na Europa postos de recarga para atender a esse aumento de demanda, nós (fabricantes de veículos) estamos fora desse mercado e os governos não têm recursos para fazer. Também não há fábricas de baterias suficientes para equipar todos esses veículos, os fornecedores estão quase todos na Ásia. Lembro ainda que as baterias representam quase metade do custo de um automóvel elétrico, então vamos transferir esse capital e empregos para fora dos países europeus.”
A retração do mercado europeu também trará como consequência a queda na arrecadação fiscal. Em 2017 (último dado disponível) a taxação sobre veículos em 15 países-membro da União Europeia gerou € 413 bilhões em impostos pagos. “Certamente parte disso passará a ser aplicado sobre o consumo de energia”, aponta Tavares.
O executivo destaca ainda que a regulamentação apertada poderá não produzir os efeitos desejados de reduzir as emissões. “Se eletrificamos a frota ela passa a emitir menos, mas de onde vamos tirar essa energia? Usinas nucleares? Vamos queimar carvão e poluir mais para alimentar carros elétricos?”
Tavares aponta para outro exemplo de legislação que produz efeito contrário ao desejado na Europa. Depois do escândalo de emissões conhecido como dieselgate – em que a Volkswagen foi denunciada por fraudar as emissões de cerca de 12 milhões de veículos com o uso de um software que “enganava” as bancadas de testes –, os europeus começaram a taxar mais o diesel e aprovar leis de banimento e restrição à circulação. Muitos fabricantes já anunciaram que não vão mais desenvolver novos automóveis a diesel. Com isso aumentaram as vendas de modelos a gasolina, que consomem mais e emitem de 20% a 30% mais CO2. Assim as emissões do gás de efeito estufa voltaram a crescer no continente europeu nos últimos anos. “O mesmo pode acontecer com os elétricos, que podem elevar as emissões na geração de energia para alimentá-los”, alerta o presidente da Acea.
“Tudo isso começou com o escândalo que erroneamente chamamos de dieselgate, porque aconteceu com uma fabricante e desde então o combustível passou a ser o culpado”, ironiza Tavares. Ele reconhece que depois da descoberta da fraude todo o setor passou a sofrer com o endurecimento da legislação, “em níveis muitas vezes não atingíveis”, lamenta.
Fusões e parcerias
Tavares argumenta que não critica em causa própria, mas “porque nos sentimos na obrigação de alertar sobre algo que está errado e afeta todo o setor”. Ele garante que o Grupo PSA que dirige se preparou para atingir as metas da legislação europeia, mas avalia que nem todos terão capacidade de sobreviver no ambiente que se avizinha. “Isso possivelmente deverá provocar novas parcerias e fusões no setor, para dividir os custos de desenvolvimento das tecnologias necessárias. Por isso, prevendo o futuro, investimos para eletrificar todos os modelos que fazemos (Peugeot, Citroën, DS e Opel/Vauxhall), aumentamos a presença fora da Europa e preparamos o caixa da empresa para passar de caça a caçador”, afirma.
“Estamos abertos às oportunidades que surgirem”, admite, ao mesmo tempo em que desconversa sobre os rumores que surgiram sobre a possível fusão da PSA com a FCA (Fiat Chrysler) ou Jaguar Land Rover. “O que há de verdade sobre os rumores é que são rumores”, afirma. “Já temos muitas parcerias, com a Toyota, GM, Ford e FCA, mas sempre vamos estudar algo que possa trazer ganhos mútuos”, resume.