Liderança da General Motors não compensou prejuízos e empresa deve apresentar plano para reduzir custos
Três anos de folgada liderança de vendas no Brasil não foram suficientes para reverter os também folgados prejuízos da General Motors no País e na Argentina. É o que confirma um comunicado assinado por Carlos Zarlenga, presidente da GM Mercosul, distribuído por e-mail a funcionários – e calculadamente vazado à imprensa – na sexta-feira, 19, em que o executivo diz que empresa vive “um momento muito crítico que vai exigir o sacrifício de todos” e que “a GM teve prejuízo agregado significativo no período de 2016 a 2018, que não pode mais se repetir”.
Com isso, a empresa deve começar a negociar cortes a partir da terça-feira, 22, em reunião já convocada para acontecer na fábrica de São José dos Campos (SP), onde possivelmente irá apresentar um plano de recuperação da rentabilidade – leia-se redução de custos – aos prefeitos e sindicatos de São José e São Caetano do Sul, onde opera a mais antiga unidade de produção da empresa, que iniciou operações no Brasil há 94 anos.
“O Comitê Executivo do Mercosul desenvolveu um plano de viabilidade que foi apresentado para nossa liderança global em Detroit. Esse plano requer apoio do governo, concessionários, empregados, sindicatos e fornecedores. Do sucesso deste plano dependem os investimentos da General Motors e o nosso futuro”, escreveu Zarlenga no comunicado.
O fato de terem sido chamados à reunião – ao menos por enquanto – representantes sindicais e prefeitos das duas cidades, e ao que se sabe ninguém da fábrica de Gravataí (RS) e nem da planta de motores de Joinville (SC), pode indicar que os principais cortes já têm endereço certo: a velha unidade de São Caetano, que paradoxalmente vinha recebendo comemorados investimentos em modernização, e São José dos Campos, que não recebe nenhum aporte há anos em longa queda-de-braço entre GM e o sindicato local, considerado intransigente por não aceitar os termos da empresa.
Hoje a unidade do Vale do Paraíba faz apenas a picape S10 e o moribundo SUV derivado Trailblazer, além de motores e transmissões em fim de ciclo de vida. Ao contrário, Joinville se prepara para fazer uma nova família de modernos motores e Gravataí fabrica o hatch Onix (carro mais vendido do País) e o sedã derivado Prisma, com a nova geração de ambos já engatilhada para começar a ser produzida este ano.
Difícil interpretação
É difícil entender a intenção exata do comunicado aos funcionários, pois a General Motors se recusou fazer qualquer pronunciamento oficial após vazar o e-mail-bomba, assim como é paradoxal o envio dele apenas uma semana depois de fazer circular na imprensa uma nota em que confirma investimentos de R$ 13 bilhões de 2014 a 2019, anunciados desde 2015, para fazer uma nova geração de veículos no Brasil, em linha com a promessa divulgada ano passado de lançar 30 veículos no País até 2030, onze deles este ano.
Na falta de transparência ou do que dizer, o movimento aparentemente contraditório dá margem a muitas interpretações – uma delas é que nunca existiram investimentos dessa magnitude, já que o próprio presidente da GM Mercosul disse que eles (ainda) dependem da aprovação do plano de recuperação, e apesar dos aportes já terem sido amplamente alardeados e requentados, parece que a matriz não aprovou a realização de aportes enquanto a companhia continuar a registrar prejuízo, como deixa claro uma frase citada por Zarlenga em seu e-mail da CEO global da GM, dita a jornalistas no dia 11 de janeiro, durante apresentação a investidores:
“Não vamos continuar investindo para perder dinheiro”, disparou Mary Barra, CEO global da GM.
Mary lacrou a ameaça logo após confirmar à imprensa, naquele mesmo evento de 11 de janeiro, que a empresa considerava sair da América do Sul porque é a única região do mundo onde a GM ainda tem prejuízo – palavra proibitiva para a companhia que quase foi à falência em 2009 e teve de ser salva pelo governo dos Estados Unidos. Ela acrescentou que Brasil e Argentina, os maiores mercados sul-americanos, “continuam sendo desafiadores” (eufemismo comum usado no lugar de problemáticos), acrescentando que a GM está trabalhando com as partes interessadas na região para tomar todas as ações necessárias para melhorar o negócio, “ou considerar outras opções”.
Algumas fontes asseguram que o prejuízo acumulado no Mercosul passa da casa do US$ 1 bilhão. Além dos cortes que deverão ser anunciados para estancar as perdas, entre as “outras opções” possíveis aventadas por analistas estaria o fechamento de plantas e a transferência da operação para a sócia chinesa Saic, que atualmente encabeça todos os novos projetos de veículos para mercados emergentes, inclusive os novos Onix, Prisma e Tracker.
Pressão por lucro a qualquer custo
O fato é que a GM vem tomando decisões radicais nos dois últimos anos para se livrar de operações deficitárias e elevar o lucro dos acionistas. Desde 2017, fechou a subsidiária na Austrália, abandonou o mercado europeu ao vender a Opel para a PSA, acabou com a divisão América do Sul (a GMSA), encerrou atividades na Venezuela e está reduzindo seu tamanho na Coreia do Sul.
Em novembro, anunciou o fechamento de quatro fábricas nos Estados Unidos e uma no Canadá onde trabalham 15 mil pessoas, além de outras duas fora da América do Norte – Brasil e Argentina surgem agora como candidatos naturais para cortes, portanto.
O plano é cortar US$ 4,5 bilhões em custos até 2020 e “investir só em mercados e produtos de alto retorno”, disse o chefe financeiro (CFO) Dhivya Suryadevara durante a recente apresentação a investidores.
Uma soma de fatores empurram para cima o prejuízo no Mercosul. Apesar da liderança no Brasil, onde vendeu 434,4 mil veículos em 2018 e conquistou 17,6% de participação de mercado, com expansão anual de 10% sobre 2017, a GM ainda não tem em seu portfólio local nenhum rentável SUV, 65% das vendas estão concentradas apenas em Onix e Prisma, modelos de baixa rentabilidade. Para piorar o quadro, a Argentina entrou em profunda recessão. Por fim, houve também forte desvalorização cambial no ano passado em ambos os países, o que enterrou qualquer chance de registrar lucro em dólares.
Esses números, embora não divulgados separadamente, são atualmente o “patinho feio” no balanço de 2018 da GM, que será divulgado oficialmente só em 6 de fevereiro com promessa de ganhos acima das estimativas. Até o fim do terceiro trimestre a companhia acumulava lucro líquido de quase US$ 6 bilhões. Enquanto o resultado operacional na América do Norte foi de vistosos US$ 9 bilhões em nove meses, no mesmo período a divisão GM International (que inclui a América do Sul) apresentou lucro operacional de US$ 471 milhões, com a China mantendo a cifra no campo positivo.
Resitência
“O tempo é curto. Obter rapidamente acordos necessários com todas as partes é fundamental. Já nos reunimos com os nossos concessionários – que já deram importantes contribuições. Também fizemos grande progresso com o governo, que claramente quer apoiar a nossa viabilidade; e na semana que vem (esta terça-feira, 22) estarei me reunindo com as lideranças sindicais e prefeitos da região (São José e São Caetano)”, finaliza Zarlenga no e-mail distribuído aos funcionários na sexta-feira, 18.
Ele não terá vida fácil para aprovar cortes. Em comunicado conjunto divulgado na segunda-feira, 21, os sindicatos dos metalúrgicos de São Caetano, do ABC e de São José, além das centrais sindicais Força Sindical, CSP/Conlutas e CUT, prometem fazer forte oposição a qualquer proposta de demissões e fechamento de fábricas.
“Os trabalhadores não podem mais uma vez ‘pagar o pato’”, destaca a nota dos sindicatos, que continua: “Repudiamos esta possibilidade de paralisação da produção no Brasil e na América Latina, e também que nos seja exigido mais sacrifícios, como diz o comunicado da empresa, já que foram feitas várias concessões à GM e a empresa sempre querendo mais. Não aceitamos que a situação seja utilizada para reduzir mais direitos, nem demissões ou o fechamento de fábricas. Defendemos os empregos e queremos estabilidade!”
Os sindicalistas confirmam que vão participar de reunião com representantes da GM na terça-feira, 22, e que pretendem defender “juntos os empregos e os direitos dos trabalhadores”, finaliza o comunicado.