Rota 2030
Todos os presidentes de fabricantes de veículos no Brasil estavam com agenda bloqueada para reunião em Brasília, no Palácio do Planalto, na manhã da terça-feira, 24, quando esperavam ouvir do mandatário da República de plantão a definição sobre o Rota 2030, programa de desenvolvimento do setor automotivo nacional que vem sendo discutido há um ano. Mas assim como aconteceu semanas antes, no dia 12, novamente o cerimonial do Planalto cancelou o encontro.
O ministério da Fazenda venceu
Desta vez, no entanto, foram recebidos os quatro presidentes das principais entidades representativas do setor, Anfavea, Abeifa, Sindipeças e Fenabrave. Eles foram informados que o programa deve ser anunciado em breve, mas sem os incentivos tributários que eram pleiteados pela indústria para pesquisa e desenvolvimento (P&D), que no Inovar-Auto (o programa setorial anterior terminado no fim de 2017) chegavam perto de R$ 1,5 bilhão por ano, na forma de descontos no IPI. Assim o Ministério da Fazenda parece ter vencido a disputa contra a pasta da Indústria (MDIC) sobre o estímulo tributário.
Temer ao lado do novo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, que assim como seu antecessor, faz “cara feia” para incentivos à indústria automotiva
Presidente da Abeifa
Gandini falou rapidamente com Automotive Business na saída do encontro com o próprio mandatário da República e os ministros da Fazenda, da Industria e da Casa Civil. Como presidente da Abeifa, ele representou os importadores de veículos, que desta vez serão menos afetados pela nova política industrial, ao contrário do que aconteceu com o Inovar-Auto, que sobretaxou as importações. “Desta vez estamos tranquilos, não há nada contra nós”, contou.
O dirigente confirmou que o Planalto decidiu cancelar a reunião com todos os presidentes porque ainda faltavam definições, por isso chamou só os dirigentes das quatro entidades para informar que o Rota 2030 deve seguir adiante sem o incentivo defendido pelos fabricantes – o que causaria algum constrangimento diante da presença de executivos das empresas que pleiteiam o desconto. “O presidente [da República] disse que só chamará os presidentes outra vez quando anunciar o programa, para uma reunião festiva”, disse Gandini.
Lei do BEM modificada
O fato é que, mais uma vez, a manobra causou frustração aos representantes da indústria. Em entrevista a jornalistas que o esperavam na saída do encontro no Planalto, Antonio Megale, presidente da associação dos fabricantes, a Anfavea, tentou transmitir impressão oposta ao do colega da Abeifa. Afirmou que houve sim convergência entre os ministérios da Fazenda e da Indústria.
As declarações do presidente da Anfavea praticamente confirmam que a Fazenda venceu a disputa e só admitirá o uso da Lei do Bem, em vigor desde o início dos anos 2000, para desconto de parte dos investimentos em P&D no IR (Importo de Renda) ou CSLL (Contribuição Social sobre Lúcro Líquido).
Está marcada para esta quarta-feira, 25, reunião na Fazenda para definir como vai funcionar esse mecanismo. Pelas regras atuais da Lei do Bem, as empresas podem descontar do IR de 20% a 34% (dependendo dos benefícios gerados pelo projeto, como empregos e geração de patentes) dos investimentos em P&D. Mas o benefício só pode ser usado no ano seguinte por empresas que efetivamente têm lucro a declarar.
É justamente essa a reclamação da Anfavea, alegando que suas associadas registram prejuízos nos últimos anos e assim não poderão usar incentivo algum.
Para contornar a dificuldade, a proposta é a concessão de créditos tributários sem data de vencimento, que as fabricantes de veículos e autopeças poderão usar no futuro, quando voltarem a apurar lucro. “O mecanismo que usa a Lei do Bem seria aplicado em ciclos futuros. Como as empresas estão com resultados negativos, isso poderá ser usado em anos posteriores”, confirmou Megale.
O presidente da Anfavea também admite que com o uso da Lei do Bem o nível de incentivos tende a cair. “Aquele valor (R$ 1,5 bilhão por ano) era uma estimativa que depende do dispêndio das empresas em P&D, é uma expectativa, mas dependendo do ajuste no mecanismo poderá variar para baixo um pouco”, disse.
Regra de transição
Marcos Jorge, da Indústria, e Megale, da Anfavea, na reunião da terça-feira: defesa de regra de transição para incentivo
Nos próximos dias, MDIC e Anfavea ainda tentarão convencer a Fazenda a aceitar uma proposta alternativa para incentivar pesquisa e desenvolvimento no setor. A ideia é que por um período de três anos os fabricantes de veículos poderiam descontar créditos tributários recebidos por investimentos em P&D em outros impostos que não só IR ou CSLL.
“Já é consenso de que precisamos de uma regra de transição nos três anos iniciais no programa”, disse o ministro da Indústria, Marcos Jorge, após participar da reunião da terça-feira no Planalto. No entanto, não está claro se a Fazenda concorda ou não com a proposta.