Manoel Honorato
Graduado em Administração e Química, é Sócio Diretor da Honorato Assessoria, desenvolve trabalhos de consultoria a toda a cadeia produtiva do setor de lubrificantes. Coordenador do Grupo de Trabalho de Graxas da Comissão de Lubrificantes do IBP, exerceu o cargo de Diretor Executivo do Simepetro, assessorando e representando a entidade junto aos órgãos governamentais e promovendo orientação técnica às empresas.
No segundo semestre de 2017 a Agência Nacional de Petróleo informou que iria fazer nova revisão na regulação do mercado de lubrificantes, pela RANP – 22/2014, porém, dessa vez mais profunda. Internamente, a ANP avaliou vários pontos e encaminhou ao mercado de lubrificantes uma minuta para ser avaliada e discutida, para que fossem feitas contribuições, e assim aconteceu.
Um dos pontos de grande importância dessa minuta é a liberação de registro obrigatório para as graxas lubrificantes. Alguns agentes do mercado reagiram bem e outros não, o que me levou a uma profunda reflexão sobre essa situação. Os agentes regulados não se sentem seguros sem a tutela da Agência?
Uma breve recordação
Os mais antigos devem lembrar que já tivemos um setor de lubrificantes bem engessado, no que se refere a se estabelecerem regras e critérios para que produtos e serviços fossem adequados ao mercado. Por conta disto passamos por várias etapas e por muitas “evoluções”, a maioria delas protagonizadas por parte do governo, com bem poucas iniciativas dos empresários do setor, salvo raras exceções.
Passamos pelas decisões e regulamentação de órgãos do governo que vem nos “tutoreando”, desde a época que vivíamos sob regime militar, lembrando o DNC – Departamento Nacional de Combustíveis, depois CNP – Conselho Nacional do Petróleo, e, já num governo democrático, a ANP – Agência Nacional de Petróleo, esta última com regras bem mais claras e estruturadas, com maior participação das empresas que começaram a entender seu importante papel para auxiliar o governo a parametrizar algumas regras para o segmento.
Talvez por hábito, ou por cultura de um estado “protetor”, estamos acostumados a uma “pseudo” proteção, que nos daria a sensação de segurança, com o estado a “blindar” de maneira objetiva o segmento de lubrificantes.
Dispensados de registros
Nesses anos todos, tivemos uma série de regras, através de portarias, que na sua maioria se tornaram resoluções, entretanto, vou me ater apenas nas Resoluções ANP, como a Resolução ANP Nº 10, DE 7.3.2007 – DOU 9.3.2007, que foi a primeira criada para parametrizar e criar regras para registro e comercialização de lubrificantes. Nesta resolução, já eram citados os lubrificantes que não necessitavam de registros, já sinalizando que nem todos precisavam de regras definidas por órgãos do governo, para serem produzidos e comercializados.
Ao longo dos anos, o segmento foi se condicionando e os lubrificantes que eram dispensados de registros junto a ANP, foram sendo produzidos e comercializados normalmente. Todos se adequaram à esta regra de não obrigatoriedade de registro, lembrando, invariavelmente, qualquer lubrificante, precisa se referenciar a parâmetros e especificações internacionais, como por exemplo normas DIN – Deutsches Institut für Normung, ISO – International Organization for Standardization, AGMA – American Gear Manufacturers Association, NMMA – National Marine Manufacturers Association etc.
Essas entidades orientam o produtor com padrões para enquadrar seus lubrificantes, ou seja, mesmo que a ANP não obrigue a registrar alguns lubrificantes, esses obrigatoriamente seguem especificações padronizadas.
Para cada lubrificante que seja aplicado nas indústrias, equipamentos, veículos e ou implementos, são adotadas regras muito rígidas e uma série de procedimentos que limitam, desde o uso de matéria-prima, até a exigência de passar em testes de bancada ou de campo, para sua aprovação. Sem essas etapas, os lubrificantes não têm aprovação para uso nas indústrias, por isso, a categoria de óleos industriais teve isenção de registro junto a ANP. Convém lembrar também, que normalmente as indústrias dispõem de um setor de manutenção e engenharia, e também fazem diversos testes de aprovações, muitas vezes mais severos que os exigidos pela própria ANP para registro.
RAMP 22 foi fruto de um extenso trabalho
Essa situação vem já, por vários anos, se ajustando, e o segmento de lubrificantes teve, com relação às regras de registro, uma sensível mudança, quando foi realizado um dos trabalhos mais completos, por parte da ANP, ao revisar a RANP – 10/2007. Nesse trabalho, foi realizada uma avaliação dos impactos regulatórios no registro de lubrificantes, através de inúmeras reuniões e interações com o mercado de produtores de lubrificantes, ouvindo profissionais especialistas das empresas, consultores, sindicatos, e órgãos e instituições que representam o setor.
Dessa forma, tivemos a vigência da Resolução ANP Nº 22 DE 11/04/2014, que trouxe no seu bojo muitas alterações para o registro de lubrificantes na ANP, mas também trouxe uma lista com um número maior de lubrificantes isentos de registros e algumas regras adicionais, entre elas, os níveis mínimos de qualidade para os lubrificantes automotivos. Também instituiu critérios de produção e de comercialização para os lubrificantes para uso em cárter dos motores, onde atualmente o nível mínimo de qualidade de lubrificante para motores ciclo Otto é o de classificação API SL, e para os motores de ciclo Diesel é o de classificação API CH-4. Essas regras, pelo seu ineditismo, causaram muitas discussões entre os que tinham posição contrária ou a favor, mas, de maneira transitória, elas foram sendo cumpridas, e até causando menos impacto do que parecia incialmente.
A mesma RANP – 22/2014 teve uma revisão muito parcial por sugestão da própria ANP, através de uma de suas superintendências, a SFI – Superintendência de Fiscalização, mesmo com a contribuição de muitas empresas, sindicatos e consultores naquela revisão. As contribuições foram recepcionadas pela ANP, mas não foram incluídas na revisão, com o compromisso de que seriam discutidas internamente e, após isso, haveria novas reuniões do mercado com a ANP, para avaliação. As que fossem possível implementar seriam consideradas numa próxima revisão dessa RANP – 22/2014.
Propostas para grande reflexão
Na primeira minuta proposta pela ANP, causou certa surpresa aos produtores e importadores de lubrificantes, criar três níveis de abrangência.
– Primeiro nível: Produtos cuja a comercialização, importação e/ou produção estão condicionados ao registro prévio na ANP.
– Segundo nível: Produtos que estão dispensados do registro prévio na ANP para comercialização, importação e/ou produção, mas que são abrangidos por esta resolução excetuando a seção ‘’ do registro’’.
– Terceiro nível: Produtos não compreendidos por esta resolução.
No primeiro todos os lubrificantes teriam registros obrigatórios junto a ANP, já no segundo nível, precisariam ter controle parcial e os documentos mantidos junto com registros de produção, para eventual apresentação à ANP, caso sejam solicitados. No terceiro nível os produtos seriam isentos de registro.
Os agentes regulados pela ANP se posicionaram contra a criação de três níveis, sugerindo que haja apenas dois níveis, ou seja, um totalmente isento de registro, como na resolução anterior, e um segundo nível em que estrariam todos os lubrificantes que são obrigados a ter registro junto a ANP, seguindo regras dessa nova Resolução.
Outra posição da ANP, que tem sido alvo de polêmica, é que todas as graxas lubrificantes seriam isentas de registro, exceto as que são intituladas “food grade”, consumidas nas indústrias alimentícias, e as intituladas biodegradáveis.
Mais normalização e menos regulação
Com relação às graxas, gostaríamos de deixar aos leitores interessados no segmento duas perguntas importantes:
Precisamos que a ANP regule o registro e libere a comercialização de graxas lubrificantes, considerando que quem produz essas graxas já não tem sua produção regulada pela ANP?
Será que não deveríamos ter mais normalização para os produtores de graxas lubrificantes, ao invés de querermos mais regulação por parte da ANP para este mercado?
Temos um mercado maduro, e ainda assim vamos querer ser regulados pela ANP, ao invés de nos preocuparmos em estabelecer normas mais rigorosas e fazê-las cumprir por meio de instituições fortes e estruturadas, com as empresas protagonizando essa nova fase do segmento de lubrificantes?
Não seria este o melhor momento de nos reinventarmos para que juntos pudéssemos criar um novo modelo para o segmento de lubrificantes, menos engessado e mais interativo entre as instituições que o representam?
Desta forma teríamos menos regulação por parte da ANP e mais normalização por parte das próprias instituições, com as empresas participando ativamente com seus profissionais especialistas e os sindicatos que representam o setor. Também estaríamos mais perto dos órgãos de normalização, ABNT, ISO, ASTM, DIN e outros tantos, que até então apenas usamos, e com os quais podemos interagir mais para normalizar o setor de lubrificantes.
Seria importante se todos pensassem sobre o que podem contribuir com essa nova forma de pensar e agir no segmento de lubrificantes no Brasil, com menos ANP!