Pacote para indústria 4.0
O governo pretende anunciar, na primeira quinzena de março, um plano que buscará acelerar a migração de empresas ao modelo de “indústria 4.0” no país. A intenção é disseminar o uso de tecnologias avançadas como inteligência artificial, impressões 3D, computação em nuvem e internet das coisas (chips embarcados em produtos) no chão de fábrica.
Pelo menos cinco setores devem ser contemplados inicialmente: agronegócios, automotivo, têxtil, defesa e saúde (equipamentos médicos). Novas linhas de financiamento estão sendo estudadas pelo governo com bancos públicos para estimular mudanças nos processos produtivos.
Teremos que priorizar
“Em um primeiro momento, teremos que priorizar. E a prioridade serão os setores em que o Brasil já demonstra capacidade de liderança global”, afirma o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira, um dos responsáveis pela estruturação do plano. Ele faz uma ressalva: a definição dos setores ainda não está completamente fechada e caberá ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).
Ferreira antecipa que haverá requisitos claros às empresas interessadas em obter crédito para implantar conceitos da indústria 4.0. Elas deverão ser submetidas a “testes de maturidade” apontando o grau de desenvolvimento tecnológico em que se encontram atualmente. A realização dos testes ficará por conta das próprias companhias, mas uma parte delas poderá ser bancada pela ABDI. A agência, alimentada por recursos do Sistema S, pretende alocar R$ 5 milhões para isso e publicará editais de seleção.
Poucas fábricas brasileiras adotam conceitos da indústria 4.0
Estudos preliminares conduzidos pelo governo para a elaboração do novo plano indicam que entre 2% e 5% das fábricas brasileiras adotam conceitos da indústria 4.0. Eliminando erros humanos e aumentando a produtividade, pode-se obter uma economia de R$ 73 bilhões ao ano no setor apenas com eficiência energética, segundo projeções. “É uma transformação completa nos processos produtivos”, afirma Ferreira.
O plano deve ser lançada durante a edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial, que ocorre nos dias 13 a 15 de março, em São Paulo. Não foi uma escolha aleatória. Em seus encontros anuais, na cidadezinha alpina de Davos, o fórum tem sido um dos principais catalisadores de discussões sobre as mudanças trazidas pela chegada da quarta revolução industrial e o suíço Klaus Schwab – fundador da organização – converteu-se em um dos grandes pensadores internacionais sobre o tema.
Os alertas são preocupantes
Os alertas são preocupantes para quem não estiver devidamente preparado. No período de cinco anos compreendido entre 2016 e 2020, o fórum prevê uma perda líquida de cinco milhões de empregos no planeta com a automação gerada pela indústria 4.0. O Brasil figura ao lado de África do Sul, da Itália e do Sudeste Asiático na lista de países e regiões em que se projeta um impacto predominantemente negativo no mercado de trabalho.
O retrato atual já desperta inquietações. Uma pesquisa da consultoria Deloitte, que ouviu 1.603 executivos no mundo e 102 especificamente no Brasil, sugere que essas inovações ainda podem estar distantes. Em uma das perguntas feitas, apenas 29% dos líderes empresariais brasileiros dizem estar utilizando “tecnologias de ponta” para possibilitar que seus funcionários sejam mais eficientes. A média global é de 47%.
Discrepância na percepção dos executivos no Brasil e no exterior
Outras respostas do questionário mostram uma discrepância entre a percepção dos executivos no Brasil e no exterior. Por aqui, 49% acreditam que as habilidades exigidas de seus profissionais vão evoluir muito mais rapidamente. Lá fora, são 56%.
Em contrapartida, 98% dos brasileiros avaliam que estão fazendo tudo possível para adequar sua força de trabalho às necessidades da quarta revolução industrial. A média global é 86%.
Deloitte
Para Ronaldo Fragoso, sócio líder na Deloitte, há um “descolamento” das percepções sobre indústria 4.0 no Brasil e nos demais países. Muitos, por exemplo, devem se convencer de já estarem no caminho adequado por desconhecimento de todas as oportunidades dessas novas tecnologias.
Em meio ao temor de desemprego e de instabilidade com essas mudanças, Fragoso destaca o fato de 93% dos entrevistados brasileiros manifestam otimismo e veem impactos positivos.
Modernização dos processos
Na avaliação dele, a indústria brasileira vinha tendo poucas chances de pensar sobre incorporação das novas tecnologias e modernização dos processos por causa das dificuldades econômicas. “Era difícil fazer investimentos para acelerar essa transição (à indústria 4.0) com dois ou três anos de recessão. Agora, com a melhoria do ambiente econômico, isso volta à pauta das empresas”, observa.
A melhor contribuição do governo, diz Fragoso, é se empenhar na oferta de infraestrutura adequada (como telecomunicações de qualidade e terminais portuários e aeroportuários).