Exigências e serviços fizeram o carro de entrada deixar de ser “popular”. No Brasil do início da década de 1990, surgiram os primeiros carros de entrada, usando o termo “carro popular”. As montadoras brigavam por preço e adequavam seus carros a exigências legais para ter alíquotas menores: menos equipamentos, motor de 1 litro de capacidade, apenas duas portas, motor bicombustível.
Tudo isso alavancou vendas e atraiu consumidores que não queriam ou não podiam gastar muito. No fim, o que se sabia era: o carro teria tecnologia e luxo zero.
Voltando a 2017, temos outra realidade: regras mudaram, o nível de exigência do consumidor avançou e fabricantes brigam para tentar incluir tecnologia, design e ainda consumo eficiente (por força da regra do regime automotivo) dentro da proposta do carro de entrada. No fim, com esse pacote completo fica impossível ter um “carro popular” do ponto de vista de valores pagos.
“O perfil do consumidor mudou ao longo dos anos. Em 1990 ninguém imaginava ter celular. Hoje todo mundo tem. As montadoras acompanharam essa mudança de perfil. Na minha cabeça não existe mais carro popular. Ninguém quer comprar um carro sem ar-condicionado, sem sistema de conectividade, travas e vidros elétricos”, afirma o consultor técnico da ADK Automotive, Paulo Roberto Garbossa.
Carro de entrada: o que um carro “básico” precisa oferecer
Com base na análise de fabricantes e analistas, UOL Carros elenca parte da fórmula de sucesso de um carro de entrada atual:
Existe um custo, mas preço ainda é importante
De fato, os carros de entrada estão bem diferentes. Alguns cresceram por dentro e por fora, outros têm o acabamento mais caprichado, e possuem certos equipamentos que a gente achava que só existia em veículo médio para cima. Muitos desses “gadgets” só apareçam nas versões topo de linha, já que nada disso é de graça. Ter um compacto de entrada “completão” não sai por menos de R$ 35 mil.
Preço nada “popular”. A Renault causou alvoroço ao anunciar o inédito Kwid por R$ 29.900. A questão é que não existe milagre: a versão de entrada, chamada Life, tem de série abertura interna do porta-malas, desembaçador do vidro traseiro, indicador de troca de marchas, predisposição para rádio e o interessante pacote com quatro air bags (frontais e laterais).
A versão intermediária Zen, que deve ser a mais vendida, adiciona direção elétrica, ar-condicionado, vidros e travas elétricos, alerta sonoro de faróis acesos, limpador do vidro traseiro, retrovisor interno com função dia/noite e revestimento interno do porta-malas, mas sai por R$ 34.990. Na topo, Intense, central multimídia, câmera de ré e luzes de neblina o colocam perto dos R$ 40 mil.
Precisa atender a um público mais exigente
A evolução da lista de equipamentos dos modelos “básicos” se deve à junção de vários fatores, entre eles a exigência do consumidor. “O brasileiro é, sem dúvida, o consumidor de automóveis mais exigente do mundo.
O carro moderno é aquele que traz tecnologias fáceis de operar e que facilitem o dia a dia do motorista”, aponta o gerente de marketing de produto da Chevrolet, Gustavo Rotta.
Segundo o executivo, ar-condicionado, travas e vidros elétricos se tornaram itens obrigatórios em veículos de passeio. Agora, o consumidor já busca mais coisa: “Direção com assistência elétrica e o alerta de baixa pressão dos pneus, itens de série nos modelos de entrada da Chevrolet”.
Carros sem diferenciais “acabam sofrendo maior depreciação no momento da revenda”, diz Rotta. O Onix, carro de entrada da Chevrolet, é o modelo mais vendido do Brasil.
Serviço precisa ser mais completo
A concorrência no mercado automotivo nacional é outro fator que faz com que todos se mexam para entregar tudo o que é possível em um modelo, que ainda precisa ter preço atraente. Há quase cinco anos, o hatch Hyundai HB20 estreou no país trazendo de série ar-condicionado, direção assistida, computador de bordo e airbags dianteiros – estes ainda não eram obrigatórios por lei.
A garantia de cinco anos, atrelada a revisões periódicas mais minuciosas, também foi uma oferta inédita no mercado. Junto com o Onix, o HB20 destronou os então líderes Volkswagen Gol e Fiat Palio. “Acreditamos que o HB20 mudou o mercado brasileiro. A oferta de um veículo melhor, mais equipado, mais bonito e com mais tempo de garantia, como o HB20. fez ‘subir a barra’ do mercado brasileiro”, afirma o diretor de marketing da Hyundai Motor Brasil, Cassio Pagliarini.
Mesmo pequeno, precisa dar status
Fazer com que o consumidor olhe para um Volkswagen Up!, um Ford Ka, um Renault Kwid ou um Fiat Mobi e entenda que o veiculo é tecnológico, mesmo que compacto, e que vale o preço proposto é, talvez, o maior desafio da indústria. Até porque o brasileiro gosta de status, ainda que a bordo de um carro pequeno.
“Acreditamos que a fórmula de sucesso para conquistar este comprador é agregar valor ao produto com atributos acessíveis que ofereçam ao consumidor a visão objetiva de que o veículo adquirido vale e o investimento necessário”, define o gerente geral de marketing da Ford, Fernando Pfeiffer.
Segundo o executivo, o compacto da marca, Ford Ka, entrega conteúdo como conectividade com celular, controle eletrônico de estabilidade, avisos de emergência e até visual diferenciado para atender não apenas o jovem que adquire seu primeiro veículo, mas todos aqueles que o buscam como principal carro de família em diferentes faixas de idade.
Não precisa ser grande, precisa ter conforto
Apesar dessa ideia de “carro único da família” ainda existir, o consumidor também não é o mesmo das décadas de 1990 e 2000. Muito da obrigação de transportar a todos, incluindo todas as bagagens desapareceu. De acordo com a Fiat, seu subcompacto Mobi, representante no nicho, é comprado por consumidores mais jovens, que são solteiros ou começando a construir sua família.
O carro ainda é alvo dos que precisam de um segundo ou mesmo um terceiro carro na família. Por outro lado, o tempo gasto dentro de um automóvel fica cada vez maior: de acordo com levantamento do Ibope feito em 2015, o paulistano passa quase três horas por dia dentro do carro (2,38 horas).
No Rio de Janeiro, são 2,21 horas, 2,08 horas em Salvador e 2,05 horas em Belo Horizonte. “Só um rádio simples não funciona mais para o consumidor, que quer Bluetooth. O design dos bancos está mudando para ser mais confortável, por conta dessas horas a mais que passamos dentro do carro”, analisa Garbossa. (UOL Carros/Karina Craveiro)