Alfabetização em Química

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Newton Richa Dr. Newton Miguel Moraes Richa é Médico do Trabalho, Professor dos cursos de Pós-Graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho e em Engenharia de Manutenção da UFRJ, representante da UFRJ na Comissão Nacional de Segurança Química – CONASQ – vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Diretor Executivo da Quantum SMS Auditoria, Consultoria e Treinamento.

Em seu livro “A Teia da Vida”, o físico Fritjof Capra enfatiza a importância da construção e educação de comunidades sustentáveis, com base nas lições extraídas do estudo dos ecossistemas, que são comunidades sustentáveis de plantas, animais e microrganismos. Assinala que, para compreender essas lições, precisamos aprender os princípios básicos da Ecologia e, nesse contexto, criou o conceito de “alfabetização ecológica”.

Nessa perspectiva, a União Europeia adotou a abordagem estratégica “Juntos pela Saúde” (Together for Health), no período 2008/2013. A iniciativa enfatiza a importância da responsabilidade pessoal no cuidado da própria saúde e estabelece o conceito de “alfabetização em saúde”, definido como o desenvolvimento de habilidades para ler, selecionar e compreender as informações, para estar apto a fazer julgamentos fundamentados no cuidado da própria saúde.

Usados de forma crescente nas últimas décadas, os produtos químicos são de importância vital para o bem-estar econômico e social da sociedade, em termos de comércio e emprego. Eles ajudam a melhorar a saúde e a qualidade de vida da população por meio do desenvolvimento de novos medicamentos, segurança alimentar, agrotóxicos e muitos outros produtos. No entanto, em todo o seu ciclo de vida (produção, armazenamento, transporte, utilização e descarte dos resíduos), esses produtos podem ser liberados no ambiente, causando acidentes, doenças e poluição, que resultam, também, em perdas econômicas.

O Brasil é hoje o quinto maior produtor químico mundial em quantidade, sendo que, com a crescente produção de petróleo e gás no Pré-Sal, deve avançar rumo à liderança. Por outro lado, em consequência do sucesso do agronegócio, o Brasil é atualmente o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Progressivamente os produtos químicos estão presentes nos locais de trabalho e de permanência das pessoas, nos alimentos e no meio ambiente, gerando crescentes situações de exposição. Entretanto, a sociedade brasileira encontra-se pouco informada e despreparada, em termos de recursos humanos e laboratoriais, para a prevenção e o diagnóstico de doenças ocupacionais e ambientais causadas por produtos químicos.

Nesse contexto, a Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ), colegiado vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, aprovou, em 04 de dezembro de 2013, um Termo de Referência de Educação em Segurança Química, com o objetivo de propor estratégias para o desenvolvimento e a consolidação de uma cultura de Segurança Química compatível com as necessidades da sociedade brasileira, como base para a prevenção e o controle dos efeitos adversos dos produtos químicos, em todas as fases dos respectivos ciclos de vida.

No Seminário de Educação em Segurança Química, realizado pela Fundacentro, em São Paulo, em 10/09/2014, como iniciativa de implementação do Termo de Referência supracitado, três episódios relatados chamaram a atenção para a falta de informação das pessoas em questões básicas relacionadas à Química, à consequente falta de percepção dos riscos e, daí, à falta de cuidados primários.

Uma empregada doméstica misturou Ajax (hidróxido de amônio – NH4OH) e água sanitária (hipoclorito de sódio – NaClO) e aplicou a mistura no piso do banheiro, dentro do box, com a porta fechada. A reação química entre os dois produtos formou gás cloramina (NH2Cl). Felizmente, ela conseguiu sair do banheiro para uma área ventilada. Por pouco ela poderia ter perdido a consciência dentro do box e sofrido consequências graves.

A Sociedade Real para a Prevenção de Acidentes do Reino Unido (The Royal Society for the Prevention of Accidents), em 2002, estimou que ocorram cerca de 3.300 acidentes que necessitam de tratamento hospitalar, causados por soluções de hipoclorito de sódio, a cada ano, nos lares britânicos.

O segundo relato consistiu em grave acidente químico ocorrido em Bataguassu, MS. Um motorista descarregou Koramin – produto empregado para limpar pelo de couro, à base de sulfeto de sódio (Na2S) – em um tanque contendo um produto incompatível – Kromium (sulfato de cromo CrSO4 e ácido sulfúrico H2SO4). Ocorreu uma forte reação química, com liberação de gás sulfídrico (H2S), um poderoso asfixiante. O acidente teve como danos imediatos quatro trabalhadores mortos e 24 internados.

O terceiro caso tratou da morte de um jovem em Itaipava, Distrito de Petrópolis, RJ, que, em virtude do frio, fechou a janela do banheiro para tomar banho quente. O aquecedor a gás, localizado dentro do banheiro, em consequência da combustão incompleta do GLP, gerou monóxido de carbono, outro poderoso asfixiante que, pela falta de ventilação, atingiu concentração mortal.

Os três episódios são uma amostra do que ocorre cotidianamente no país, assinalando como a falta de informação básica em Química acarreta situações de risco e graves acidentes em praticamente todos os segmentos da sociedade brasileira. A utilização crescente dos produtos químicos na vida moderna, aliada à importância da produção química do país, aponta para a necessidade de um amplo movimento de alfabetização em Química no país.

Nessa perspectiva, a educação brasileira, em todos os níveis, deve contemplar a progressiva construção de uma cultura de Segurança Química, alicerçada no efetivo ensino dos conceitos fundamentais de constituição da matéria, átomos e moléculas; estrutura atômica: prótons, nêutrons e elétrons; combinações químicas; valência e nº de oxidação; eletrovalência e covalência; ligações polares e apolares; solubilidade; as principais funções da Química Inorgânica e suas propriedades; as principais funções da Química Orgânica e suas propriedades; as incompatibilidades entre os produtos químicos e demais conceitos básicos de Química, essenciais para o uso e o trabalho, de acordo com os requisitos de segurança, saúde e proteção do meio ambiente.